Nas
infinitas correrias na vida de um professor a mais prazerosa é trocar uma ideia
de boas com seus/suas estudantes... Sério! É muito bom mesmo! Nesse ano um
aluno me recomendou dois filmes sobre a Segunda Guerra Mundial: “Corações de Ferro”
(2014) de David Ayer e “Até o Último Homem” (2016) de Mel Gibson... Consegui assistir aos dois filmes e como conclusão: QUE
BOSTA! Uma narrativa repleta de construção de heróis, inocência forçada e
luta em nome da "liberdade"... Ok! Nunca fui a nenhuma guerra e nem tenho isso
como um objetivo. Mas tenho certeza que dentro do ambiente de guerra a
preocupação por atos heroicos é muito raro! Então por que raios existem tantas obras com essa narrativa?
+ Chernobyl (2019)
por Craig Mazin
Poster da série |
Na intensa
febre por novos audiovisuais no formato de séries, surgem gigantes no ramo, que
não perdoam gastos para trazer as representações mais intensas possíveis ao seu
público. Surgem as séries em streaming da Netflix e do Prime Video com investimentos
gigantescos. Mas existem uma que já “mete o loco” desde a década de 1970, a
HBO, que tem em seu catálogo "Roma", "Band of Brothers", "The Sopranos" e que atualmente
tem séries insanas como "Westworld" (já tertuliado por aqui) e "Game of Thrones".
Nesse campo frutífero de séries “de responsa” surge em 2019 a minissérie “Chernobyl”
que está fazendo todo mundo passar mal durante os episódios de tanta realidade explorada
de forma bruta e seca.
Acredito que
a primeira reação a essa série é a pergunta: isso tudo aconteceu assim mesmo?
Então caímos na clássica questão do quão fiel é o filme para com a obra original
ou a realidade representada. Sobre esse assunto temos uma interessante matéria do Jornal Nexo, que
apresenta de forma detalhada a relação entre os fatos e as ficções da série
cirando por Craig Mazin. Logo acho muito perda de tempo (ou de brisa) se fixar
nesse ponto, ao mesmo tempo que seria muito “pedância” da minha parte ficar
detalhando datas e nomes reais por aqui.
Mas acredito
que o mais INSANO dessa série é a sua narrativa, que sim, é política! Lembre-se
carx amiguinhx tertulianx, TUDO É POLÍTICA! Ou como diria a grande escritora
polonesa Wisława Szymborska: “Todas as tuas, nossas, vossas coisas / diurnas e
noturnas, / são coisas políticas.”
A série
apresenta uma cena extremamente importante em seu quarto episódio, em que um
grupo de três soldados são responsáveis por matar animais que foram abandonados
por seus/suas donxs. Um deles questiona o mérito e a honra de matar algum ser
vivo: NÃO EXISTE! E o pior, você terá que conviver com isso para o resto da
vida, pois você não se transforma em outra pessoa após isso, você tem que
conviver com isso sendo você mesmo! Essa moral
de não apresentar heróis, de mostrar uma história crua e fria é algo que poucas
narrativas históricas têm moral de encarar, ainda mais uma história recente
(sim, recente! O acidente foi em 1986).
CENA COMPLETA
Mas ao mesmo tempo que a série tem esse ponto positivo, tem seu ponto negativo, pois é uma série dos Estados Unidos, o grande rival da União Soviética durante boa parte do século passado. Apresentar tal história como uma tragédia triste e sem heróis é algo até fácil quando você está a fim de falar mal do seu inimigo que atualmente (com o nome de República do Putin... quer dizer, Rússia) está desempenhando ações políticas muito semelhantes do período da Guerra Fria.
Nessa hora
devemos seguir a primeira regra de um historiador quando se volta para um
documento: REGRA 1: Você não fala sobre o Clube da Lut... Ops, quer dizer! Você
questiona sobre o contexto histórico do objeto que você está analisando. Saca
essa sequência de notícias sobre a influência da política da Rússia pelo mundo:
“A Rússia está realizando o maior exercício militar da sua história” e “Presidente americano e cinco de seus assessores são criticados por supostas ligações indevidas com Moscou”. Acho que a Rússia está se comportando muito mal
nesses últimos tempos, hein! Hora de fazer o que os Estados Unidos fazem de
melhor: filmes para garantir a opinião “correta” sobre fatos históricos!
Podemos até
citar a série da Netflix, "Os Últimos Czares" que dividiu opiniões entre
o público ocidental e oriental (clique aqui), construindo uma narrativa em que mesmo com a fama de “O sanguinário”
de Nicolau II, temos a maior simpatia por ele e por sua família, tornando os bolcheviques
como os grandes vilões da história russa. Mas isso é coisa pra uma outra #TertúliaView!
Está com
dúvidas sobre as razões políticas nessas narrativas? Saca só esse
trecho aqui: “Com o sucesso da minissérie produzida pelos canais HBO e Sky, a
televisão estatal russa anunciou que está trabalhando em sua própria série sobre
o que aconteceu. A TV assegurou que a série será baseada em fatos históricos e
mostrará como a CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) teve
envolvimento no desastre. O diretor, Aleksey Muradov, afirmou que mostrará ‘o
que realmente aconteceu na época’." (leia a matéria completa aqui)
Muitos podem
afirmar o discurso do último episódio do personagem Valery Legasov (Jared Harris) seja algo essencial para finalizar essa disputa, mas convenhamos... Essa
fala é especificamente voltada para a atual Rússia! Nessa brisa de finalizar o
texto aqui quero retornar a triste e pessimista visão de Bacho (Fares Fares), “Não
há histórias boas como nos filmes”. Os resultados de conflitos e guerras já sabemos,
não precisamos de novas disputas e tensões entre as mesmas nações
para ver se os resultados podem ser diferentes, os finais felizes existem apenas
nas ficções. Não serão com filmes de heroísmo como os que foram citados ao início que irão mudar o que aconteceu de fato, mas com narrativas sinceras como essa, independentemente se o país representado seja o inimigo, um aliado ou o seu. Utilizando a fala de Boris Shcherbina (Stellan Skarsgård), "um mundo justo é um mundo são", será que temos um mundo são atualmente?
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