Talvez esse #TertúliaView seja
algo realmente inédito aqui. Bem... não tão inédito, pois a “inovação” de hoje
seria discutir sobre o filme inspirado de um livro já lido também... Mas isso
já fizemos por aqui, com filmes como "Garota Exemplar" (Gone Girl, 2014) de David Fincher. Mesmo assim defendo minha ideia de novidade, pois desde que assisti
esse filme nos cinemas, em 2012, minha perspectiva sobre cinema deu um upgrade que me
faz amar cada vez mais essa arte. E hoje, finalmente, terminei de ler o livro de Brian Selznick, e parece que aquela mesma sensação voltou. Tenho muito o que falar sobre tudo isso, mas não sei se estarei falando
do filme de Scorsese ou do livro de Selznick. VAMOS VER COMO FICA!
+ A Invenção de Hugo Cabret
(Hugo, 2011) de Martin Scorsese
Filme: "Shooting captured insurgents" (1898) de Thomas A. Edison
Com a criação das primeiras câmeras por Thomas Edison a atividade de criar filmagens se encaixou na
ideia da “atualidade construída”, isto é, construir diversos fatos reais do presente para aproximar o público com o ocorrido através do audiovisual, como na filmagem acima,
em que Edison reconstitui a morte de cubanos por soldados espanhóis... Numa alusão bem idiota podemos relacionar com aquelas reconstituições BIZARRAS do Gil Gomes.
Gil Gomes e suas reconstituições nenhum pouco tendenciosas... |
Mas ainda bem que o cinema se
transformou. Imagina se fossem até hoje reconstituições do Cidade Alerta?... EMPOLGANTE, NÃO? Mas quem foi o precursor da chamada “magia” para
o cinema? De transformar o cinema em algo desafiador e INSANO? Ninguém mais que o francês Georges Méliès. Um tiozinho muito gente
fina que era mágico e achava que estava com a bola toda... Mas na mítica sessão
em que os Irmãos Lumiere exibiram o filme “L'Arrivée d'un train en gare de La Ciotat” (A Chegada do Trem na Estação) Méliès
percebeu que magia mesmo estava no cinema, e pirou demais naquele novo
entretenimento. Segundo diz a lenda, Méliès chegou para Auguste e Louis Lumière
com todas as suas brisas de como o cinema poderia se desenvolver, mas eles nem
deram bola, falaram que Méliès estava mais louco que o Batman perseguindo o
Homem Aranha por ter dado um “paulistinha” no Hellboy (NUM SABE O QUE É
PAULISTINHA? CLIQUE AQUI). Méliès não estava tão louco assim (ou estava mesmo?): o cinema para ele era algo mágico, ou seja, poder trazer sonhos para a vida das pessoas; coisas que poderia ser
construída de maneira perfeitamente INSANA através do cinema. Assim como a
sensação do pai de Hugo Cabret, descrita no livro, de sonhar em plena luz do
dia. E assim foi Méliès: rabiscou, colou, montou, modelou, UFA! Fez de tudo que
estava ao seu alcance para criar um mundo paralelo e nos deixar maravilhados.
Asa Butterfield (Hugo Cabret) |
"A ideia de ir ao cinema fez Hugo se lembrar
do que seu pai tinha contado sobre como era ir ao cinema quando ele era garoto,
na época em que os filmes eram novidade. O pai de Hugo disse que tinha
adentrado a sala escura e, na tela branca, havia visto um foguete voar para
dentro de um olho desenhado na cara da Lua. Seu pai falou que nunca tinha
experimentado sensação parecida. Era como ver seus sonhos em pleno dia."
SACA SÓ SE ISSO AQUI NUM É FILME DE UM EX-MÁGICO: "Escamotage d'une dame au théâtre Robert Houdin" (1986) de Georges Méliès
"A noite que invade pouco a
pouco a sala de projeção equivale à ação de fechar os olhos para dormir. É
então que começa na tela e no fundo do homem a incursão noturna no
inconsciente. As imagens, como num sonho, aparecem e desaparecem. O tempo e o
espaço tornam-se flexíveis. O espectador de cinema, em virtude de uma espécie
de inibição por hipnotismo, perde uma importante porcentagem de suas faculdades
intelectuais e aceita placidamente os lugares-comuns mais depreciados."
A frase acima pertence ao também INSANO diretor Luis Buñuel, que compara de maneira clara e até didática o porquê da semelhança dos sonhos com o cinema.
Ben Kingsley (Georges Méliès) e Asa Butterfield (Hugo Cabret) |
Por incrível que pareça o filme é
dirigido por um dos diretores mais BADASS do cinema o grande mestre Martin Scorsese, o italianão que revolucionou Hollywood na década de 1970 com seus filmes
de “cagar para dentro”, tais como “Caminhos Perigosos” (1973) e “Taxi Driver”
(1976). Aqui ele resolve “fazer um filme que minha filha pudesse assistir”,
nas suas próprias palavras, um filme cheio de homenagens e esperança, de
aventuras e momentos mágicos. Mas vendo o cinema como algo único, essa distinção
entre o cinema violento e o singelo na real não existe. Existe, sim, o cinema, o
ato de roubar o fogo dos deuses para dar aos mortais.
"De repente, Hugo viu em sua mente a pintura da biblioteca da
Academia de Cinema. Uma das mãos da figura estava erguida, segurando uma bola
de fogo, como se estivesse roubando as chamas do alto, e a outra mão lançava
luz, como se fosse o projetor de filmes. Hugo achou que talvez a pintura fosse
uma versão de Prometeu, só que ali Prometeu estava roubando fogo dos deuses
para criar o cinema."
Se o ato de fazer cinema é dar
aos mortais (logo, espectadores) sonhos, esperanças e horizontes, Méliès
conseguiu fazer isso muito bem. Não esqueço quando vi pela primeira vez o seu
filme “Le Voyage dans la lune” (1902), achei fantásticas as artimanhas que o diretor construiu para dar formas físicas a sua imaginação, e eu pude ver após 100 anos o seu lançamento... Esse filme aqui em questão, após 109 anos do lançamento de “Le Voyage dans la lune”. E
deste modo chegamos ao personagem, que se torna o principal dessa trama: O TEMPO. Sim, ele mesmo! Capaz de transpor todas as barreiras físicas que
conhecemos e ainda deixar sua marca, seu lado cruel, de nos deixar
velhos e esquecidos. Méliès já faleceu há anos, alguém o reconheceria? Tanto
fisicamente como artisticamente? Na história apresentada no filme ele é um
velho pobre que vive com o pouco que ganha numa loja de brinquedos. Muitos
passam por lá, mas quem o reconhece? NINGUÉM! Méliès não tinha mais motivação de
viver, ou como nessa parte do livro:
"- Você já parou para pensar que todas as máquinas são feitas por
algum motivo? - ele perguntou a Isabelle.
- Elas são feitas para fazer a gente rir, como esse ratinho, ou indicar a hora, como os relógios, ou para maravilhar a gente, como o autômato. Deve ser por isso que qualquer máquina quebrada sempre me deixa meio triste, porque ela não pode cumprir o seu destino.
Isabelle pegou o ratinho, deu corda novamente e pôs de volta no balcão.
- Vai ver que com as pessoas é a mesma coisa - continuou Hugo. - Se você perder a sua motivação... é como se estivesse quebrado."
- Elas são feitas para fazer a gente rir, como esse ratinho, ou indicar a hora, como os relógios, ou para maravilhar a gente, como o autômato. Deve ser por isso que qualquer máquina quebrada sempre me deixa meio triste, porque ela não pode cumprir o seu destino.
Isabelle pegou o ratinho, deu corda novamente e pôs de volta no balcão.
- Vai ver que com as pessoas é a mesma coisa - continuou Hugo. - Se você perder a sua motivação... é como se estivesse quebrado."
Nesse ponto, a história mostra sua
genialidade. O garoto Hugo, “responsável” pela manutenção dos relógios da
estação de trem, é o tempo, ele passa e deixa sua marca. Infelizmente, em 1938, Méliès
morreu falido e sem nenhum reconhecimento. Mas e se o tempo (leia-se
Hugo Cabret) tivesse uma outra relação com Méliès, se o encontro deles
fosse marcado por curiosidade e busca por aventura? Selznick talvez tenha pensado nisso
ao escrever a obra: se o tempo fosse alguém para trazer esperanças e
ressuscitar horizontes? Infelizmente não foi assim os últimos dias de Méliès. Mas se o cinema cria sonhos, por que não criar uma nova realidade? Se ninguém reconheceria Méliès, agora, após essa história, muitos
irão, transformando a realidade existente através de sonhos, ou da
verdade através de uma mentira... Você que manda!
Mas afinal, esse “happy end” apresentado no filme não aconteceu de verdade? Méliès hoje é reconhecido no mundo inteiro, ele simplesmente renasceu de um porão sujo para os quadros mais belos de uma casa. O final do filme não segue estritamente fatos, mas sim, a magia do cinema de transformar o mundo com sonhos. Acreditar em sonhos muda a realidade sim! #AcrediteNaGravata!
Mas afinal, esse “happy end” apresentado no filme não aconteceu de verdade? Méliès hoje é reconhecido no mundo inteiro, ele simplesmente renasceu de um porão sujo para os quadros mais belos de uma casa. O final do filme não segue estritamente fatos, mas sim, a magia do cinema de transformar o mundo com sonhos. Acreditar em sonhos muda a realidade sim! #AcrediteNaGravata!
"No escuro de um cinema novo que abrira num bairro vizinho, Hugo
podia retroceder no tempo e ver dinossauros, piratas e caubóis. Ou ver o
futuro, com robôs e cidades tão gigantescas que encobriam o céu. Voava em
aviões e cruzava os mares em navios. No escuro do cinema, viu pela primeira vez
selvas, oceanos e desertos. Quis ver todos ao vivo."
QUE SEJAMOS AQUILO QUE DESEJAMOS SER!