Muitas obras de sci-fi terminam com a clássica pergunta de algum espectador “já pensou se isso acontecesse de verdade?”. Mas analise comigo aqui no REPLAY, toda obra de ficção científica tem um pé na realidade, deste modo, querendo ou não, aquilo que foi exibido, mesmo tendo uma quantidade absurda de improbabilidades, é um reflexo da nossa realidade ou de maneira mais estúpida, realmente acontece. Então aqui, no caso da série “Westworld”, temos grandes parques temáticos em que “convidados” pagam para viver no mundo do Velho Oeste? SERÁ QUE NÃO???
+ “Westworld” - 1ª Temporada (2016) de Jonathan Nolan e Lisa Joy.
A série foi baseada no filme homônimo de 1973 de Michael Crichton, que possui uma continuação chamada “Futureworld” (1976) de Richard T. Heffron. Dois filmes que representam bem as narrativas de sci-fi que abordam a relação do ser humano com a máquina dentro daquele contexto histórico, em que máquinas representam algo divertido e prazeroso, mas que se revelam por final algo malévolo, em que ocorre uma disputa pela sobrevivência do ser humano perante o poder da máquina. Mas lembre-se, tal percepção foi abordada assim naquele período, em que tínhamos Yul Brynner como uma máquina sanguinária pronta para esbanjar sua vingança por onde passava, agora temos Ed Harris como um ser humano sem escrúpulos algum em busca de seus objetivos.
Yul Brynner vs Ed Harris |
Final toscão de "Futureworld" (1976) |
Quer fazer uma rápida viagem sobre essas mudanças de percepções? Assim como no clássico “O Exterminador do Futuro” (1985) de James Cameron, em que conhecemos o personagem de Arnold Schwarzenegger, vindo de um futuro dominado pelas máquinas que desejam a destruição da humanidade. Mas tais aspectos mudam com a continuação da saga, no segundo (1991) e no terceiro (2003) filme vemos ele como um protetor de John Connor, como também na estranha sequência, “A Salvação” (2009), vemos que ao final a vida de Connor depende da vida de uma máquina, Marcus Wright (Sam Worthington), bem como no remake/reboot “Genesis” (2015). Tá! Tá bem... O que essa leitura da saga “Terminator” tem a ver com a série em questão? Isso foi uma breve ideia de como uma mesma narrativa pode se modificar com o contexto histórico de seu lançamento. Ou você acha que narrativas como “Black Mirror” seriam possíveis há décadas atrás? CLARO QUE NÃO! Cada contexto lança obras com seus reflexos e suas questões!
Deste modo, tenham em mente! As modificações ocorridas na narrativa da série de 2016 não são só pelo fato de um seriado possuir mais tempo para promover sua narrativa, mas devido também que as indagações levantadas pela sociedade do início do século XXI são muito mais complexas sobre a relação homem e máquina do que eram na década de 1970. As questões existenciais são levantadas de maneira mais INSANA, em que nos perdemos facilmente com a relação: o que é ser um ser humano? O que é ser um robô? O que é narrativa? Até onde vai o entretenimento? Vivemos aprisionados em um parque? Estamos presos a um ciclo sem fim de momentos iguais? Nossas vivências e memórias nos fazem humanos? Robôs podem conservar memórias? Robôs podem adquirir auto consciência? RAPEIZ... Sim, são muitas perguntas! Espero responder todas até o final desse texto.
Fique com a clássica cena final de Blade Runner, em que nosso querido androide Roy Batty (Rutger Hauer) se mostra com mais vida, mesmo que morrendo ali, do que o ser humano Rick Deckard (Harrison Ford).
Na narrativa original de 1973, logo na primeira cena, conhecemos um repórter entrevistando diversas pessoas que saem do parque e alegam ter passado por uma grande experiência, convencendo assim nós, espectadores, a entrar também nessa narrativa. Em 2016, começamos a história sendo apresentados a Dolores (Evan Rachel Wood) e Teddy (James Marsden), que descobrimos que são na verdade robôs (ou “anfitriões”), mas já criamos uma empatia forte por eles. Devido a essa pequena mudança de perspectiva inicial a história sai da dicotomia robôs malvados vs. humanos bonzinhos e amplia a discussão. Assim sendo, conhecemos robôs que demonstram mais sentimentos e humanidade do que os próprios humanos, como a gélida Theresa Cullen (Sidse Babett Knudsen), que logo ao primeiro episódio é analisada por Bernard Lowe (Jeffrey Wright) como se fosse uma robô. Essa estranha relação faz lembrar filmes clássicos de Tim Burton, como “A Noiva Cadáver” (2005), em que o mundo dos mortos se apresenta mais vivido e cheio de cores que o próprio mundo dos humanos. Nos fazendo perguntar a todo momento: Quem está realmente vivo e quem são os robôs?
Mundo dos vivos vs Mundo dos mortos |
Percebemos como os humanos tratam com “compaixão” os seus anfitriões, semelhante a um campo de concentração. |
Nessa brincadeira com a autoconsciência de seres robóticos, vamos para a cena genial do anime “Ghost In The Shell” (clique aqui), em que é apresentada uma discussão sobre a humanidade de uma inteligência artificial.
Dentro dessa relação entre humanidade com memórias e reflexões, podemos afirmar então que ao guardar memórias e revivência-las, essas máquinas (os “anfitriões”) estariam adquirindo facetas humanas! A memória e a reflexão sobre a mesma, nos faz ganhar maturidade, como a cena de “Blade Runner” apresentada anteriormente, as vivências de Roy Batty o faziam ser mais humano que muitos! Logo, quando o pai de Dolores do primeiro episódio, Peter Abernathy (Louis Herthum), encontra um foto perdida, ele constrói em sua mente uma concepção temporal através de lembranças que o fazem perceber que aquela vida cíclica que vivem não passa de uma farsa e deseja que sua filha se liberte! Ou quando é apresentada à Hector Escaton (Rodrigo Santoro) uma série de fotos sobre cidades modernas que não reconhece absolutamente nada. Logo, ter memórias e saber questiona-las é algo importantíssimo aqui em Westworld. Ou na linda cena abaixo do INSANO “Waking Life” (2001) de Richard Linklater, será que o pai de Dolores estava adquirindo algum tipo de humanidade?
Um “brilho eterno de uma mente sem lembranças” seria impossível aqui, tanto para humanos como para robôs. |
O casal de gênios que construiu a série colocou em cada detalhe algo que nos fazia ser conquistado cada vez mais na narrativa, assim como quando o personagem Robert Ford (Anthony Hopkins) diz para Lee Sizemore (Simon Quarterman), não é a "espetacularização" da narrativa que conquista, isto é, não são apenas explosões e sangue, mas sim o detalhe deixado, o mistério, a empatia com os personagens que conquista um “convidado”, ou como diria o próprio Ford, os espectadores não querem saber quem são, eles já sabem disso, mas desejam sim “vislumbrar aquilo que poderiam ser”, construindo teorias sobre a narrativa apresentada. Nos fazendo relacionar com a própria narrativa da série, pois o que se fundamenta essa série não é a monumentalização, mesmo que seja frequentemente encontrada nos episódios, mas o que se faz de base firme para a história são os enigmas deixados, os detalhes que nos conquistam e nos fazem supor tantas ideias que é quase impossível não entrar dentro desse universo como qualquer outro “convidado” de Westworld.
Nessa jogada intensa com a ideia de escapismo o filme constrói uma forte ligação com o espaço físico do parque, não nos mostrando em momento algum como é a sociedade fora daquele lugar ou em que ano estamos. A relação de dependência entre os “convidados”, os funcionários e os criadores é tão forte com o parque que aquele ambiente, mesmo que artificial, domina toda a realidade conhecida por eles e, por consequência, a nossa também. A fala do personagem de Ed Harris nos diz muita coisa, “sabe por que aqui é melhor do que o mundo real? O mundo real é caótico. É um acidente. Mas, aqui, cada detalhe leva a algo”, o entretenimento do parque se transformou na vida dele.
Como uma boa narrativa de sci-fi, a obra apresenta perfeitas discussões sobre o que de fato faz os chamados “anfitriões” serem robôs e os “convidados” serem humanos. “Penso, logo existo” era a máxima de René Descartes, para afirmar a existência de um ser humano… Tá, Legal! Mas essa resposta se completava no contexto do século XV. Descartes não chegou a conhecer robôs como nossa tecnologia atual… Mas e se os robôs pensarem? Adquirindo memórias e tendo conhecimento de como processá-las? Desejando a liberdade? Descartes estaria em pânico se conhecesse essa narrativa! A reflexão nos faz ser humanos? A construção da personagem Maeve Millay (Thandie Newton) é perfeita para deixar essa questão mais complexa ainda, em meio a memórias reprimidas e desejo por liberdade ela se mostra uma personagem forte e com certeza a mais SANGUE NOS ZOIO dessa primeira temporada, simplesmente é algo fantástico! Indo agora para o século XX e a corrente existencialista de Beauvoir e de Sartre, que se o ser humano não tem essência, isto é, sem certezas inatas, ele está sempre em busca de respostas… Esses robôs de Westworld são mais humanos que muitas pessoas que conhecemos, se encaixando na busca inexplicável de Dolores por algo há mais em sua vida extremamente cíclica.
SACA SÓ ESSA CENA DO EPISÓDIO 10
E por falar em tempo, essa série aqui desbanca qualquer outra narrativa ao apresentar uma linearidade extremamente “bugatória” e vários núcleos de personagens que ao chegar ao último episódio ficamos sem palavras. Aqui a ideia da vida cíclica e rotineira dos “anfitriões” tem sempre algum acréscimo, tanto que toda vez que Dolores coloca suas compras em cima de seu cavalo e deixa cair um produto é sempre alguém diferente que a pega. Logo essa vivência dos robôs jamais se encaixaria como algo cíclico, mas sim em algo espiralado, em que lembranças e experiências são adicionadas à sua mente e os levando a atitudes diferentes das que possuíam anteriormente… Como um desejo por liberdade? Sem mais tertulianxs!
"...eles não matariam nenhuma mosca..." |
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