quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

TertúliaView: "A Forma da Água" (The Shape of Water, 2017) de Guillermo del Toro

Ano passado fiz uma viagem que jamais pensaria em fazer: fui para a Colômbia sem saber falar nenhuma língua fora o português brasileiro. Mesmo com esse empecilho do idioma percebi que boa parte das pessoas a minha volta estavam dispostos a ajudar, mesmo que o dialogo parece impossível de ser realizado ele estava sendo construído (de maneira bizarra, reconheço). Então parei para pensar... E percebi que todos os seres lutam por dialogo, mesmo que a possibilidade dele pareça impossível, ele pode acontecer sim.

+ A Forma da Água (The Shape of Water, 2017) de Guillermo del Toro


Possuo uma grande admiração pela filmografia de del Toro, pois em boa parte de seus filmes há uma dialética entre o grotesco e o belo, um exemplo? Vamos para sua obra mais famosa, “O Labirinto do Fauno”, que nos apresenta o refúgio mental que uma garota constrói para se proteger das mudanças terríveis em sua vida com a ascensão do ditador Francisco Franco ao poder na Espanha. Conhecemos criaturas abomináveis desde um sapo gigantesco até um fauno horrível, numa narrativa extremamente inovadora de um dos momentos mais tristes da história espanhola.


Em “A Forma da Água” nosso querido diretor não decepciona, nos ambientando nos Estados Unidos da década de 1950, isto é, em meio a Guerra Fria. Um dos períodos mais difíceis da humanidade, pois o poderio mundial era disputado entre duas potências: EUA e a lógica de mercado para garantir a liberdade a todos e a URSS que desejava o fim das desigualdades sociais desejando uma sociedade mais justa. Tal momento ficou conhecido por intensas disputas políticas, econômicas, sociais, tecnológicas e outras, tudo para mostrar ao resto do mundo qual nação e regime político seria o mais poderoso. Mais qual poder? Acredito que poder de destruição em massa, devido ao poder bélico das duas potências. Diálogo? Nenhum. Tanto que tal período é conhecido como Guerra Fria, pois o medo de uma 3ª Guerra Mundial era sempre presente.


Para as pessoas que tem dificuldade de acreditar na gravata esse plot seria impossível, pois o filme possui como protagonistas uma mulher muda (Sally Hawkins), uma mulher negra (Octavia Spencer) e um homem velho gay (Richard Jenkins), auxiliado de maneira inusitada por um espião russo (Michael Stuhlbarg) e que tem como plano de fundo a Guerra Fria... UFA! É impossível apresentar o "diálogo" como motor dessa narrativa. Mas queridx tertulianx, #AcrediteNaGravata, é dentro desse ambiente improvável que surgem as mais belas narrativas cinematográficas, e quando surge um ser meio humanoide meio anfíbio (Doug Jones) é que a mágica do dialogo vem à tona. A empatia e a preocupação pelo outro, faz com que a cooperação entre esses tão distintos personagens se torne a chave para que tal trama tome rumo e conquiste nossas gravatas de maneira rápida.


O personagem de Doug Jones é chave para a construção da narrativa do filme, pois se apresenta como um monstro que deve ser capturado e torturado devido ao seu "perigo" a sociedade. Toda a estética do personagem é extremamente parecida com o clássico de 1954, "O Monstro da Lagoa Negra" de Jack Arnold. Mas tal semelhança fica somente na estética, pois a narrativa quer desafiar certezas absolutas dispares e deseja construir pontes. Essa sacada de ao invés de um monstro sanguinário para um "monstro" que é possível dialogar, destrói todas as tradições formalizadas na sociedade americana que se firmaram na década de 1950, não sendo à toa o contexto histórico do filme.

Comparação entre o poster de "O Monstro da Lagoa Negra" e "A Forma da Água"

Nessa improbabilidade, nesse ambiente inóspito e nessa relação ambígua que del Toro nos apresenta um de seus filmes mais belos, transbordando paixão pela narrativa. Mesmo que possua cenas bizarras e grotescas, o filme é perfeito! Lembre-se! É isso que faz o cinema do diretor mexicano conquistar cada vez mais fãs e é nessa dialética entre o grotesco e o belo que ele nos apresenta essa preciosidade de narrativa.

TRAILER LEGENDADO

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