“Resistir
é inútil!”. A frase deferida pelos Borgs em “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração” (1987-1994) se tornou dentro do universo cinematográfico, talvez, umas das
expressões mais famosas. Podemos identifica-la nas séries, filmes ou qualquer
forma de entretenimento nos dias de hoje. Mas, então, resistir é inútil?
Levando
em conta que a narrativa do entretenimento está ligada quase que
predominantemente com uma dualidade de bem contra mal, mocinho contra vilão e
de que tudo no final termina bem, a resistência se torna nessa narrativa peça
fundamental e, sim, útil.
Resistir
é uma ação tanto ativa quanto passiva que é capaz de mudar o ritmo da história.
É o momento no qual as engrenagens se alinham e a resolução (psicológica e/ou
do problema) surge. Posicionando-se não só como útil, mas também de fato
necessária enquanto motor de mudança de uma ameaça iminente.
Cena de “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração” |
Em
“Matrix” (1999), todas as vertentes filosóficas se convergem em resistência da raça
humana contra a opressão das máquinas. A resistência se expressa de diversas
maneiras durante o filme, ou melhor, em toda a trilogia. Enquanto ainda em
condição de bateria das máquinas, o Sr. Anderson (Keanu Reeves) é apenas representado como um
pequeno cubículo de alguma empresa qualquer e encontrava sua resistência em
contrabandear softwares em seu pequeno apartamento em algum prédio qualquer.
Posteriormente, sua resistência se encontra em escapar da Matrix, ou seja, em
entrar em contato com a realidade na sua forma mais nua e crua para em seguida
se apresentar como ícone da Resistência dos humanos, e age quebrando e dobrando
toda e qualquer regra do sistema matriz.
Mas
vamos destacar uma resistência diferente nos filmes. A cena na qual Cypher (Joe Pantoliano) trai o grupo de Neo (agora o Sr. Anderson se torna Neo e tal troca
de nome expressa outra forma de resistência) para poder desistir de resistir e
se unir a “ignorância”, entrando no estado inferior de existência. Uma frase
que define bem essa questão talvez seja: “A ignorância é uma benção”. Então,
fica a pergunta, como resistir à ignorância, como resistir a si mesmo e a
vontade de fugir?
Nesse
ponto, ironicamente, entra a personagem de Morpheus (Laurence Fishburne),
referência ao deus grego dos sonhos. Ele, enquanto homem verdadeiro e livre do
sistema, é a resistência real. Para resistir à ignorância ou proporcionar aos
outros o poder de resistir a si mesmos, ele recorre a uma certa dose de
“hedonismo” como simbologia de resistência. A cena da enorme orgia em Zion
serve como lembrete da sensação humana real, seja de prazeres da carne ou algo
mais metafísico. O ponto que podemos levantar é como essa orgia pode simbolizar
uma resistência mais humana do que a luta exercida por Neo no meio virtual.
Esse “hedonismo” é uma forma de lembrar que a realidade, em toda sua peculiaridade, é humana e viver em contato com sua natureza é a maior forma de
resistência que podemos encontrar em nós mesmo para combater a vontade de fuga
e ignorância.
Cena de "Matrix" |
É
fácil identificar e rotular o lado opressor e o lado da resistência. No filme
citado tínhamos humanos resistindo e máquinas oprimindo. Em “Guerra nas Estrelas” de George Lucas tanto na primeira quanto na segunda trilogia, a divisão é sempre
clara, seja império versus rebeldes, república contra um levante de golpe ou a
simples dualidade Sith/Jedi.
Todavia,
compliquemos um pouco essa narrativa. Em “Batman: Cavaleiro das Trevas” (2008) a
princípio qualquer um colocaria o Batman como a forma de resistência, seja ao
crime ou a tudo aquilo que não é bom. E, por consequência, o Coringa a
opressão, por não agir da mesma maneira que o herói. Porém, a figura do Coringa
é na verdade mais uma forma de lutar contra algo, de resistir a alguma coisa.
Mas, exatamente a que?
Apesar
de o anti-herói Coringa dizer que ele não é o “cara com um plano” e que ele é
apenas um “agente do caos”, vemos essa visão se desfacelar ao absorvermos a
narrativa do filme como um todo. Primeiro, quebremos a dualidade inicial de que
caos e ordem serem opostos, são na verdade elementos que se compõem. São parte
de um todo. O que podemos tirar disso é que o caos, assim como a ordem, são
veículos de uma teleologia.
O
Coringa de fato tinha um plano, um motivo e um meio para um fim e para
alcançá-los utilizou o caos. E através do caos veio a resistência. A
resistência à uma realidade maior, ele luta não só contra o Batman, mas sim
contra a ordem estabelecida, implantando um novo meio de organização, o chamado
caos. Isso não serve para romantizar o vilão ou quebrar a visão de herói do
Homem Morcego, mas sim reforçar a ideia de que não são opostos e sim forças que
se complementam.
Cena de “Batman: Cavaleiro das Trevas” |
A
arte tem costume de simbolizar essas formas de luta, seja pela dualidade ou
pela complementaridade. E, se corrermos um pouco atrás no texto, lembraremos da
orgia de Zion e da expressão de resistência através do corpo e da música. É a
esse ponto que voltamos a nossa atenção agora : a dança.
Por
mais estranho que pareça o movimento ritmado do corpo, pode ser entendido como
resistência a rigidez de uma opressão. Iremos com calma exemplificar essa ação,
partindo do real para a fantasia.
Em
"Billy Elliot" (2000) a dança é um grito de resistência, é uma maneira de não sucumbir à
sociedade maciça e ao mesmo tempo quebrá-la. Em uma Liverpool, extremamente
industrial durante o governo da Dama de Ferro, coberta pela fumaça e pela
violência, greves trabalhistas e envolta numa sociedade banhada por conceitos
conservadores, surge um filho de minerador que resolve se impor contra a
opressão dessa vida através da dança. Cada movimento de Billy é um giro a mais
na resistência, é uma maneira de transformar o meio de organização regente em
caos. Ele transforma o conservadorismo da família em aceitação da expressão de
resistir, ou seja, em mudança efetiva.
Em
um caso mais fechado como na a cena de dança em “Perfume de Mulher” (1992), os
movimentos do tango quebram qualquer condição limitadora que o Coronel Frank
Slade (Al Pacino) poderia ter. Ele passa a ser a resistência do corpo ao
próprio corpo e, mais uma vez, a mudança efetiva acontece dessa vez dele e dos
outros.
Cena de "Perfume de Mulher" |
Nos
enredos mais fantasiosos dos musicais em que, a qualquer momento, tudo vira
música e dança, a resistência encontra maior simbologia e abrangência. Em
“Hairspray” (2007) uma protagonista branca acima do peso e que se identifica na
cultura negra americana encontra na dança a resistência e com ela a luta por
novos conceitos, tal como em "Billy Elliot". Em “Grease - Nos Tempos da Brilhantina” (1978) a dança e a música é a maneira que os protagonistas encontram para
quebrar a ideia do papel do homem e da mulher nos relacionamentos, ou seja, a
resistência aos velhos costumes.
Acima: cena de "Hairspray"; Abaixo: cena de "Grease" |
Talvez
a multiplicidade de versões possíveis de resistência presentes na sétima arte
sirva para nos mostrar a capacidade infinita que temos de resiliência antes
mesmo de resistir. Somos caos e ordem, dança e rigidez. Múltiplos por natureza
e criados e formados para resistir. No fim a mensagem não era se resistir é
útil ou não, mas sim de que maneira resistiremos. Que seja do caos à dança, mas
sempre resistamos.
Siga o Cine Tertúlia no Facebook e no Instagram
Assine nosso Feed e recebe as últimas atualizações.
ACREDITE NA GRAVATA!
Assine nosso Feed e recebe as últimas atualizações.
ACREDITE NA GRAVATA!
Nenhum comentário:
Postar um comentário