Confesso que não sou o cara mais
experiente no assunto, afinal, nunca me dediquei com muito afinco a arte de
acompanhar animes e mangás. Mas reconheço que uma fase da minha vida foi
intensamente marcada por um mangá, que chegava em minhas mãos por uma amiga de
escola, a cada volume uma nova surpresa e suspense, a cada nova devolução e
empréstimo uma nova conversa e troca de teorias. Sim, o internacionalmente
famoso mangá “Death Note” conseguiu mais um fã NERD em épocas de adolescência e é dessa experiência após anos que
vamos comentar aqui hoje.
+ “Death Note: Notas da Morte”
(Death Note: Desu Nôto, 2006-2007) de Takeshi Obata e Tsugumi Ôhba
Depois de exatos dez anos de ler
o mangá original (2003-2006) escrito pelos mesmo criadores do anime, descubro
que a grande provedora de filmes em streaming Netflix realizou e acabou de
lançar um filme sobre a clássica obra que marcou minha adolescência, após uma
sessão dividida em duas partes, só pude dizer: QUE BOSTA! Toda a discussão entre justiça entre o protagonista
Light e o investigador L é deixada de lado em nome de crises adolescentes de
personagens que são construídos de maneira acelerada, deixando as
características de cada um em questionamento e
assim construindo um plot twist
difícil de digerir e com um deus ex
machina extremamente forçado. Me peguei a pensar: AFINAL, PQ RAIOS EU PIRAVA TANTO NESSA HISTÓRIA?
Descobri que dentro da plataforma
Netflix possuía também o tão sonhado anime da saga, não resiste e comecei a
assistir a série, lembrando de cada ponto crucial do mangá e por consequência a
triste adaptação de Adam Wingard...
Mas o que me impactou foi que a série caminhava muito bem até seu décimo
episódio, até que veio na minha mente outro: QUE BOSTA! “ÓH! VC ESTÁ A
CRITICAR A OBRA PRIMA DO ANIME JAPONÊS?” Sim, reconheço que estou, nós do Cine Tertúlia, não nos
prendemos a conceitos imutáveis, estamos sempre dispostos a questionar tudo e
até nós mesmo, isto é, fazemos qualquer coisa para garantir A
EXPLOSÃO DE MENTES! Logo 1) Não sou mais aquela mesma pessoa de 16 anos; 2)
Minha percepção de mundo se alterou; 3) Como também minhas analises fílmicas.
Não que hoje eu esteja extremamente correta, só estou a alegar que minha visão
acerca de narrativas se alterou com o passar do tempo.
“TÁ! TÁ! MAS QUE RAIOS O DEATH NOTE ORIGINAL TEM DE RUIM?” Como
estava dizendo, a série caminha bem, em que vemos Light Yagami (Mamoru Miyano), na sua busca por
um “mundo melhor” decide se utilizar um caderno, conhecido como Death Note,
para matar todos os criminosos do planeta... “URRU!!! BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO!” Mas ai que está carx
tertulianx, essa definição de ser “bandido”
pode ser relativizada bastante e assim o termo pode ser expandido para pessoas
que são contrárias a sua opinião e deste modo de “paladino da justiça” Light se transforma em um novo ditador para
um novo mundo (lembre-se desse termo,
é importante!). Nesse momento conhecemos um dos investigadores mais excêntricos
da literatura mundial, o famoso L (Kappei Yamaguchi),
que possui hábitos alimentares e de relacionar com as pessoas bastante
peculiares e é nesse momento que se constrói uma das relações de oposição mais
interessante da história das narrativas, entre Light e L.
Mas só que a narrativa começa a
especular e muito! Com inclusão de novos personagens que não desenvolvem a
história, somente a atrasam. Reviravoltas que se repetem excessivamente em que
chegamos a desistir de compreender a investigação e somente nos anularmos para
acompanhar o desfecho da série. Papéis femininos absurdamente omissos, em que
se fôssemos utilizar "Teste de Bechdel” na
narrativa não daria certo, pois as mulheres estão sempre subordinadas a figura
masculina e quando se encontram somente abordam os conflitos de seus
companheiros. Tanto que nos últimos capítulos eu não aguenta mais novos
personagens e estava saturado de uma história que já tinha perdido todo o
fetiche com a queda da disputa entre Kira e L. Mas sim, fui até o final e por
isso estou pronto para escrever esse presente texto.
Tira sobre o que é o "Teste de Bechdel" |
Mas como disse no início, muito mais que falar mal da
narrativa da saga Death Note quero falar de mim mesmo perante tudo isso, o
jeito que olhava para com a narrativa da série há dez anos atrás e o jeito que
olho hoje, bem mais crítico e mais afim de resolução de problemas do que
postergação do fato. Death Note fez muito por mim, alimentou muito imaginação e
amizades, mas hoje vejo em diversos aspectos como hoje ele não me satisfaz
mais... Será por que ele é ruim? Será que me tornei um idiota? (Grandes
chances) ... Mas fico feliz em perceber em como mudei e em como posso construir
melhor argumentos que defendam ou critiquem um audiovisual.
Nesse ponto, agora posso dizer
com todas as palavras que ODEIO O LIGHT,
que adolescente chato, cara! E gosto um pouco de L, coisa que não compreendia
antes, mas faz um par extremamente competitivo com Light, deixando a história
bem construída e cheia de embates. Mas os embates sempre são apresentados de
maneira aberta, em que o próprio espectador pode decidir que lado escolher... e
que lado escolher... e que lado escolher... rs! Pois aqui a cada reviravolta
você muda de lado e compreende aquilo que até então você não fazia ideia.
Assim como na belíssima primeira
temporada, da série também Netflix, “Demolidor” (2015), conhecemos Matt Murdock (Charlie Cox) e o Wilson Fisk (Vincent D'Onofrio), dois
personagens que possuem altas semelhanças quando desejam o melhor para o bairro
de Hell's
Kitchen, mas o caminho para chegar a esse “melhor” é extremamente diferente
um do outro. Logo é nesse momento que se constroem mocinhos e vilões, nos mostrando
que tal definição pode ser muito relativa, pois depende muito das
circunstâncias, como aconteceu na segunda temporada
(2016) da mesma série, com a chegada do personagem do Justiceiro (Jon Bernthal), nos apresentando
várias reflexões sobre qual é o melhor jeito de realizar justiça, matando os
criminosos de forma sanguinária ou levando eles para uma justiça falida?
Pegando essa brisa da série do
Demolidor de Drew Goddard,
podemos compreender cada vez mais o anime de Obata e Ôhba, pois
percebemos que apesar das boas intenções de Light, a ideia de ser um Deus
para um novo mundo só demonstra que
faz tudo em nome de seu egoísmo, ou como L é arrogante e estúpido quando está
realizando sua investigação. Como falei, aqui é bem relativo a ideia
mocinho e bandido, somente pessoas disputando poder e reconhecimento, mudar de
lado nessa narrativa é extremamente fácil e permissível.
Num mundo em que presenciamos uma ascensão de uma extrema direita em diferentes lugares, com “soluções” para problemas sociais de forma autoritária, desde um Temer no Brasil até um Trump nos EUA e suas políticas de privilégios sociais, me faz relacionar com muitas perguntas. Como chegaram no poder? Quem os colocou lá? Somos capazes de eleger pessoas com discursos de soluções rápidas? Quando Bolsonaro se populariza cada vez mais em seus discursos, como quando falou que o Brasil é “estado cristão” e que “minorias têm que se curvar” (vídeo) me lembra de Light conquistando as pessoas, alegando que está construindo algo melhor, mas só que na verdade está somente afim de construir um novo mundo em que será um tipo de deus.
Death Note e seus vários personagens |
Num mundo em que presenciamos uma ascensão de uma extrema direita em diferentes lugares, com “soluções” para problemas sociais de forma autoritária, desde um Temer no Brasil até um Trump nos EUA e suas políticas de privilégios sociais, me faz relacionar com muitas perguntas. Como chegaram no poder? Quem os colocou lá? Somos capazes de eleger pessoas com discursos de soluções rápidas? Quando Bolsonaro se populariza cada vez mais em seus discursos, como quando falou que o Brasil é “estado cristão” e que “minorias têm que se curvar” (vídeo) me lembra de Light conquistando as pessoas, alegando que está construindo algo melhor, mas só que na verdade está somente afim de construir um novo mundo em que será um tipo de deus.
Nesse momento a construção no momento inicial
da narrativa se faz valer totalmente para o resto da história, pois ao sermos apresentados primeiramente a
Light conhecemos seu mundo e logo adquirimos empatia por ele, e assim
facilmente somos conquistados por seus discursos de matança. Mas quando paramos
para pensar nas perspectivas de L, na relação abusiva que Light possui com Misa
Amane (Aya Hirano)
e nos esquemas totalmente cruéis que nosso proprietário do Death Note realiza
somente para que as pessoas se curvem a ele, começamos a perceber que estamos
lidando com um novo ditador, que só quer fazer valer suas perspectivas.
Quando
vamos ao episódio final e entendemos o porquê de um “Novo Mundo” (nome do episódio),
vemos que um novo mundo não é um
supremo ditador que mata aqueles que não se enquadram em sua expectativa, desse
exemplar de babaca já tivemos muitos em nossa história da humanidade. O “novo mundo” defendido no último episódio
é um mundo sem ditadores e sem justiça feita com as próprias mãos, sem máscaras
ou planos para sair ileso após cometer tantos assassinatos, PUTZ! Um novo mundo é aquele que construímos hoje, já que ele é novo eu não
posso defini-lo, só posso repudiar o que há de mais antiquado e autoritário,
para que realmente um novo mundo
realmente novo possa ocorrer.
TRAILER
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