Homo Novus
Ao
longo dos anos os filmes mostram aspectos da condição humana, principalmente os
fatores dos quais levariam ao seu fim.
O
que se ignora é talvez como podemos interpretar essa visão. Não como destruição,
mas como substituição do Homo Sapiens por uma nova forma de vida dominante. Um
novo Homo, uma nova condição de existência humana.
Sempre
nos vemos, mesmo em meio ao fim, como alicerce da existência. Com o nosso fim
viria o cessar da mesma. Porém como seria se fôssemos apenas um processo de transição
na história e não o fim? Afinal de contas é exatamente isso o que somos.
Os
filmes de certa maneira (frágil talvez) nos concedem o exercício da imaginação
nesse determinado assunto. Eles assumem uma narrativa que nos permite pensar no
Homem como passagem evolucional. Por exemplo, o segundo filme d’os Vingadores
(Os Vingadores: A Era de Ultron, 2015) traz um vilão sarcástico que se
apresenta como um degrau além da condição humana. Uma nova espécie na escada
darwiniana da vida. Engraçado é pensar que ele falha em seu plano por ser
humano, demasiadamente humano.
Nos
mais recentes reboot da série "Planeta dos Macacos" (filmes de 2011 e 2014), o
macaco toma o lugar do Homem como ápice evolucional. Perfeita analogia entre
passado e futuro, não é mesmo? De qualquer forma, o egoísmo humano não consegue
aceitar o momento de sua possível extinção. Ele se enxerga como causador do
cessar das outras existências, mas nunca da sua.
Um
filme não muito comentado, mas de grande excelência, "Ex Machina" (2015) (já tertuliado por aqui), retrata
esse ponto de maneira concisa. O Homem como criador inevitável de seu próprio
fim. A narrativa compara a criação de uma nova consciência de vida (uma
inteligência artificial) com a frase de Oppenheimer ao se retratar sobre a
criação da bomba atômica: “(...) e agora eu me tornei a morte (...)”.
Vamos
usar essa como a melhor definição da condição humana. Somos a morte. Estamos
sendo pessimistas? É aqui que encontramos um divisor de águas, é a maneira da
qual utilizamos para lidar com a morte que pode definir tanto a negatividade
quanto a positividade.
Pensando
no universo dos filmes, nesse grande leque de visões grudadas no ecrã, o badalo
balança conforme o passar do tempo. Nas produções iniciais (levando em conta
filmes que já apresentavam enredo), como, por exemplo, Georges Méliès, o Homem
pode ser encarado como a morte mais “positiva”.
Um sentido maior de sobrevivência, uma exploração da vida. Em “Viagem a Lua” (1902), Méliès se utiliza de Júlio Verne para ressaltar no nosso
imaginário a “Belle Èpoque” e mostrar como a vida do homem se afasta cada vez
mais da condição passiva e se torna verdadeiramente senhor de si. “Deus está
morto”.
Cena de “Viagem a Lua” (1902) |
Para
o azar de Méliès, e de toda humanidade, temos os períodos de guerra que determinam
e redefinem a visão de como produzir filmes e da própria condição humana. O
homem deus de si se encontra com sua forma de destruição. Ou como se referiu
Oppenheimer, nos tornamos Vishnu.
E
os filmes acompanham a destruição. Mesmo no humor de Chaplin é possível
identificar traços dessa nova condição. A icônica cena de “O Grande Ditador”
(1940), em que ele brinca com o globo terrestre, pode ser interpretada como se
o Homem nada mais fosse do que uma criança em todo seu potencial destrutivo.
“Monseiur Verdoux” (1947) é um genial tapa na cara de uma sociedade pós-guerra. Verdoux (protagonista) seduz mulheres ricas e viúvas e em seguida
assassina-as para ficar com a riqueza e assim poder cuidar de sua própria
família. Como crítica geral ao mundo o filme é sensacional, mas se diminuirmos
a dimensão da crítica apenas ao Homem também temos outra relação de condição da
existência humana, transformando-nos em seres perdidos em nossos conceitos
morais. E assim começa a nossa metamorfose.
Os
anos que se seguem concretizam-se com a guerra propagandista nos filmes. É a
ideologia da Guerra Fria. Um mundo no qual a disputa política se intensifica na
venda de ideias, estilos de vida e principalmente mentiras.
É
nesse clima de ideias que surge uma possível pluralidade do ser humano. Temos,
por exemplo, duas marcas dos filmes de ficção científica: Jornada nas Estrelas
e Guerra nas Estrelas. Ambos introduzem o universo intergalático e a
possibilidade do Homem ser mais que humano. Agora é possível enxergar a
condição humana em wookies, seres verdes dotados de pura sabedoria e loucura,
vulcanos e romulanos, ewoks e até mesmo em androides corajosos e covardes. É o
nascimento da possibilidade de um novo Homem. Do Homem destruidor surgiu o
Homem criador.
E como resolve essa treta aqui? por Promus-Kaa - Crazy Victorian Inventor Ma |
Essa
capacidade de criar é na qual nasce o fim de um conceito humano para o
surgimento de um novo Homem (o Homem Novus). O progresso humano, dentro de uma
visão adorniana, correu tanto que atingiu um ponto de substituição do conceito
presente retrogrado do Homem por possíveis novas interpretações. Esses novos
entenderes são vistos nos filmes, que traduzem um pouco da natureza humana.
Desde a década de 1980 a temática do zumbi paira sobre o cinema. Mas nos
últimos anos ela surge com força maior. Falar de zumbi dentro desse tema pode
soar um pouco estranho a princípio, porém, é nele mesmo que enxergamos uma nova
semiótica da condição humana. O homem morte voltou. Todavia essa morte é
diferente. É a morte de si e não dos outros. O Homem Novus é um homem morto,
porém ativo, um ser que perambula entre ser e não mais ser. Um estado de
transição, talvez esse seja o melhor termo na hora de definir esse estágio da
evolução.
Citado
no início deste texto, Ultron também queria criar um Homo Novus, porém falha,
mas entendendo a natureza morta da robótica atingimos um ponto de mudança. "Ex Machina" nos propõe a ascensão da vida artificial (vida sem vida), assim como em
"Matrix" (1999), ou "Exterminador do Futuro" (1984). Claro que em todos vemos o
Homem galgar sua resistência, mas, de qualquer forma, seu medo ou evolução fora
criado por ele mesmo. Talvez seja por isso que seus nêmesis sempre apresenta
essa realidade que brinca com um vazio de vida. Agora o Homem está morto.
De
qualquer forma, seja qual for o Homo Novus, ele parte da existência do Sapiens
Sapiens e com isso uma fração de nós segue. Talvez o vazio que nos preenche (ou
preenche a visão de nós mesmos) seja a essência de nossa própria condição
atual. Não que isso seja bom ou ruim, mas como já dito, o
balanço do badalo é definido pelo caminhar do tempo.
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