A novidade sempre foi um chamado para as pessoas, o ato de sair de sua zona de conforto pode ser uma aventura que extrapola expectativas e nos dá um novo gás. Mas só que as vezes o desejo pelo clichê, pelo lugar comum, pode ascender uma chama de INSANIDADE também, fazendo ressurgir características usuais que farão sua zona de conforto ficar um pouco desconfortável. DÚVIDA? ENTÃO SACA SÓ!
+ Isolados (2013) de Tomas Portella
Tomas Portella, que até então tinha se aventurado na direção de comédias, como "Qualquer Gato Vira-Lata" (2011), consegue aqui fazer com que o público esqueça isso facilmente, apresentando uma narrativa sufocante e densa. No enredo não temos nada fora do comum do gênero do suspense/terror: A) um casal, Lauro (Bruno Gagliasso) e Renata (Regiane Alves), decidem passar um tempo na região serrana do Rio de Janeiro para descansar e reanimar a relação, mas só que B) a região oculta segredos e assassinos estão a solta e nisso o suspense vai rolar solto... Na "matemática do roteiro" a partir desse dois fatores (A+B) o resultado seria um filme ruim, pois está cheio de chavões e trivialidades. Mas num é qualquer bostinha que aparece fácil aqui no blog do Cine Tertúlia não... VAMOS BRISAR!
Lauro (Bruno Gagliasso) e Renata (Regiane Alves)
Por ter uma narrativa cheia de suspense o filme despertou comparações com "O Iluminado" (1980) de Stanley Kubrick e "Anticristo" (2009) de Lars von Trier ao mesmo tempo que avivou comentários negativos sobre o filme, alegando que sua história não era nada inovadora. Mas acompanhe comigo no replay, se um filme é semelhante à Kubrick e von Trier, por que raios ele seria ruim? Sem perder tempo já o assemelho a outro filme, ou melhor, a uma filmografia, a de Alfred Hitchcock, que sempre utilizou e abusou de lugares comuns e de atores famosos adicionando um clima tenso para surpreender o público. Em seus filmes o mal não estava no "outro", mas sim em nós mesmo, seus vilões não eram nenhuma criminoso desconhecido, mas sim quem estava o mais perto possível de você... A zona de conforto de Hitchcock não era nada confortável.
"Eu tenho uma facaaa!!!"
Coisa que Portella conseguiu trabalhar muito bem aqui, tem casal em perigo? Tem! O mal está solto? Sim! Policiais bem ao estilo "bad/good cop"? Mas é claro! Trabalhando com uma narrativa, rostos e clichês muito comuns ao público, o diretor conseguiu inserir sua história dentro do lugar comum, conseguiu quebrar a barreira entre o que é usual e o que é inovador e assim transformou tanto o comum como o estranho num só clima de tensão, fazendo com que a narrativa se desenvolvesse até chegar ao final plot twist que se mostrará essencial para o filme. Se o filme é bom ou não, isso é você que irá decidir, mas por aqui entramos em consenso que ele é INSANO!
Até o José Wilker tá no role... Seu último filme até!
"O Lobo atrás da Porta" de Fernando Coimbra e "Quando Eu Era Vivo" de Marco Dutra são suspenses brasileiros que deram o que falar, mas não
conseguiram sair completamente do dualismo cinema arte/comercial. "Isolados" é um bom aperitivo para um público que está se interessando
por novas narrativas, mas ainda acostumados a rostos conhecidos, mas que
com o tempo podem se esquecer da poltrona confortável em casa e se
entregar a outros espaços.
Um belo dia o filósofo René Descartes proferiu sua célebre frase “Penso,
logo existo”, nos dando a entender que o ato de realizar reflexões nos
torna reais e que esse ato é imprescindível para ser um ser humano. Em meio ao
período renascentista o filósofo inicia um novo período para a filosofia
ocidental, trazendo ao centro das discussões a razão para ter como finalidade a
verdade. Simples? Até poderia ser para o século XVII, mas para nossos dias
atuais é algo que deve ser rediscutido. SIMBORA?
+ O Fantasma do Futuro (Ghost In
The Shell, 1995) de Mamoru Oshii
Como será o futuro? Um
questionamento que muitas vezes paramos para pensar... Será algo bom? Algo
ruim? Em 1982, Ridley Scott lança o clássico da cinematografia de sci-fi, "Blade
Runner", baseado no livro de Philip K. Dick, nos situando num futuro distópico (saiba mais aqui), em que corporações mandam no planeta, ou melhor, na galáxia, e que se
utilizam de androides para realizar seus serviços... Sujo, violento e
corrupto... Podem ser as três palavras chaves para esse mundo. Não muito
diferente do futuro de "Ghost In The
Shell", baseado no mangá de Shirow Masamune, em que conhecemos a Seção 9,
uma equipe formada por androides e humanos que enfrenta crimes que surgiram com
o avanço da tecnologia.
CENA DAS LÁGRIMAS DO BLADE RUNNER
Se o fato de viver, se ser um
sujeito ativo e encarar o mundo (ou o cosmos no caso de Blade Runner) como um
horizonte de possibilidades. O androide Roy Batty (Rutger Hauer) se tornou um
ser humano da melhor qualidade, não?
Cada personagem do filme tem sua
importância, como líder a Major Kusanagi, uma androide, tem um corpo
inteiramente artificial que protege seu cérebro, seu corpo é esbelto e, se
formos pensar, transcende a ideia da sexualidade, pois aquele corpo, por mais
lindo que seja, não passa de uma proteção mecânica que sustenta seu cérebro.
Assim como o personagem Bateau, parceiro de Kusanagi, que possui uma estranha
prótese no lugar de seus olhos, e como diz a frase "o olhos é a janela da
alma", já paramos para refletir que alma é algo estranho para ele. Assim como
Aramaki, que é um dos poucos humanos do Setor 9, e como dito pela Major, ele
foi escolhido para que a previsibilidade de um robô não marcasse o esquadrão.
Uma animação feita pelos detalhes, ao mesmo tempo em que há diversas reflexões
há momentos de contemplação. Simplesmente INSANA!
Major Kusanagi
Bateau
O futuro é o ano de 2029, em que
a tecnologia se expandiu sem nenhum controle, atingindo a níveis neurais, deixando
o limite entre o real e o virtual muito difícil de ser definido. A habilidade
de processamento de dados e a tecnologia presente na vida das pessoas cresceram
de maneira absurda! É nesse ambiente que surge o criminoso "Puppet Master". Não
é estranho pensar que essa história teve origem no Japão, um país que vive uma
relação muito intima com a tecnologia.Nesse patamar o filme cyberpunk de Mamoru Oshii nos pega de jeito ao pensarmos o que faz de nós humanos e o que faz dos
androides não humanos, pois se formos pela máxima renascentista do "penso, logo existo", todos os androides
no enredo pensam e utilizam da reflexão, muito mais que alguns seres
humanos apresentados na história, que são manipulados pelo chamado Puppet
Master. Assim, a busca existencialista da protagonista Kusanagise mostra importantíssima para a trama, pois
numa sociedade em que a tecnologia está tão naturalizada o que diferencia um
robô e um ser humano?
CENA DE WALKING LIFE (2001)
Nessa mítica cena de "Walking Life" de Richard Linklater conhecemos questionamentos sobre o que nos define como pessoa: memórias, história, informação...
Ser questionado por algo que você
tem como a verdade base de sua vida é algo arrebatador... Por isso mesmo esse
filme tem todos os méritos para aparecer no blog do Cine Tertúlia, e por isso
mesmo, não é um filme que "desça fácil", pelo contrário, possui uma carga
reflexiva gigantesca e a todo o momento nos sentimos necessidade de repetir uma
cena ou voltar para outro plano. Memórias e vivências? O ato de pensar? Possuir
uma alma? Podemos pensar em diversos argumentos que nos levem a defender nossa
diferença perante os robôs, mas aqui nessa história, todos eles são destruídos
de maneira genial e precisa, nos deixando sem nenhum argumento, coisa que só
como uma boa obra de ficção distópica pode nos oferecer.
SACA SÓ ESSA CENA DO FILME
Dois minutos de pura explosão de mentes! Pode repetir quantas vezes quiser... Eu acho que repeti umas 5 vezes quando estava vendo o filme... “- Forma de vida? Que
ridículo! Não passa de um programa de auto preservação! - Com esse argumento, digo que o
DNA que carrega não passa de um programa de auto preservação.”
Com essa discussão não tenho como
não mencionar o desconhecido filme “Automata”
(2014) de Gabe Ibáñez (clique aqui) que aborda a busca de robôs não de
sobreviver, mas sim de viver. Mas que tipo de vida seria essa? Que consciência
de vida seria essa? Se o pensar leva a existir, eles querem viver intensamente! Descartes criou sua célebre frase no chamado Renascimento, aqui no filme de Ibáñez, o renascimento do homem se torna o robô, ou como exploramos de maneira maior sobre o "Homo Novus" (clique aqui).
Assim, não mais que necessário, a
corrente existencialista (século XX) surge para compreender ainda mais a
existência da humanidade. Se Descartes no século XVII queria, através de seu
método, nos trazer uma verdade universal, aqui, os existencialistas, buscam
compreender a complexidade do que é ser um ser vivo. Defendendo que existimos
antes de tudo, afirmam que o ser humano não é nada, enquanto não fazer de si
alguma coisa. Então, deste modo, existimos, depois pensamos, depois agimos,
depois criamos robôs e depois eles nos darão mais questionamentos sobre o
propósito da existência. Se os androides são humanos ou não isso será
respondido na busca que farão de suas vidas. Precisamos realmente dessas
diferenças? O que faz de nós humanos? Assim como a filósofa existencialista Simone de Beauvoir, em seu
livro "O Segundo Sexo", defende que a mulher não nasce mulher, mas devido ao
mundomachista, ela se transforma na forma/padrão que o mundo exige.
Assim como a ideia do que é ser um ser humano, uma construção social de uma
determinada época, variando pelas questões que levam a coesão social. O ser
humano de hoje é diferente do que é um ser humano de 500 anos atrás, logo a
sociedade nos padroniza para as questões de nossa época... E no futuro, que
coesão será formulada com nossa relação cada vez mais próxima com a tecnologia?
Esse filme é uma perspectiva do que podemos nos tornar.
Se apaixonar por alguém nos dá
uma nova percepção de mundo, um novo gás para enfrentar nosso cotidiano em nome
de algo que amamos. Essa nova visão de mundo muitas vezes cria mundos paralelos
em nossa mente: podemos acreditar que o mundo está perfeito mesmo que estamos
na pior das merdas ou crer que estamos no fundo do poço, sendo que estamos na
verdade muito bem. Fazer um relato sobre um relacionamento que marcou parte de
nossa vida, mexe com memórias e sentimentos, e os dois são passíveis de mutação... Nenhum dos dois são um concreto firme... Eles sofrem mudanças a
todo o momento que o revivamos... Logo objetividade é algo que não
encontraremos nesse filme.
+ Eu Estava Justamente Pensando
em Você (Comet, 2014) de Sam Esmail
O hoje consagrado criador da
série “Mr. Robot”, Sam Esmail,
realizou esse filme que tem por uma meta até que simples e apresentada no
início do filme: "Os seguintes
eventos ocorreram ao longo de 6 anos (alguns em um universo paralelo)".
Sim, Esmail irá nos mostrar seis anos de um relacionamento conturbado, que
acredito ser inspirado em sua própria vida, mas que aqui é entre a personagem Dell
(Justin Long) e Kimberly (Emmy Rossum), assim podemos ter em mente que podemos nos
perder facilmente entre o que realmente aconteceu e o que a imaginação do
diretor produziu, pois alguns eventos ocorreram em “um universo paralelo”, como alega a frase inicial. Isso mesmo!
Possuímos nossas memórias, que foram criadas com base em nossas vivências, mas
elas nunca serão estáticas, elas sofrem mudanças a todo o momento. Essa
empreitada de realizar um relato cinematográfico de um período intenso entre
amor e ódio entre um casal deve ter ser difícil... Tanto para o diretor, como
para nós, espectadores.
"Os seguintes eventos ocorreram ao longo de 6 anos (alguns em um universo paralelo)"
O filme já me conquistou ao ter
em seu pôster referências a dois filmes INSANOS, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (2004) de Michel Gondry
e “(500) Dias com Ela” (2009) de Marc Webb. E sim... Entre memórias e realidades, entre conciliações e rompimentos, o
filme de Esmail consegue abordar temas presentes nos dois filmes citados e de
maneira perfeita! A cena inicial em que Dell (Justin Long) repete várias vezes
para si mesmo, “isso não é um sonho, isso
não é um sonho!”, é uma boa preparação para o público... O que é real e
sonho dentro dessa história seremos apenas nós mesmo que decidiremos... E muitas
vezes torceremos como Dell, para que tal cena não cena um sonho e que outra seja
apenas um sonho (ou um pesadelo).
Kimberly (Emmy Rossum) e Dell (Justin Long)
Uma obra com uma narrativa não linear
mostrando vários momentos do relacionamento do casal: o dia em que se conhecem,
uma viagem a Paris, uma briga pelo telefone, um encontro em um trem e uma
visita casual... Essa distinção se momentos faz jus a fotografia do filme, que
em quase todo o filme apresenta seus personagens descentralizados (isso mesmo,
nada de Wes Anderson por aqui, clique aqui
e entenda). Fato que me faz indicar outro filme aqui nas referências, “Namorados Para Sempre” (Blue Valentine,
2010) de Derek Cianfrance, que apresenta o relacionamento de um casal, Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling), de maneira não linear em que ao mesmo tempo em
que os vemos se conhecendo e cheios de amor, vemos eles se odiando e com o
relacionamento beirando ao fim.
Uma das poucas cenas que nossos protagonistas estão centralizados.
Afinal, quando nos lembramos de
um relacionamento ao lembrarmos os momentos bons, já os misturamos com os
momentos ruins que vivenciamos... A linearidade vai por água abaixo
nessa tarefa de relembrar, logo filme como “Brilho
Eterno...”, “500 Dias...”, “Blue Valetine” e o tertuliado em questão
não passam da mais pura atividade mental de uma pessoa comum. Diferenças,
semelhanças e singularidades marcam relacionamentos e elas estão presentes no
filme, que passa por momentos de drama, comédia e romance... Nos ambientes
apresentados que vão desde um dia ensolarado até um quarto azulado em Paris,
assim o filme se transforma numa viagem sensorial única, ao mesmo tempo em que
é fascinante ela é dolorosa. O filme também é marcado por diálogos INSANOS,
recomendo que assista com um caderninho do lado para anotar as falas mais
marcantes, pois vou deixar esse prazer para você e não encherei você com mais
SPOILER.
"Comet" consegue transpor a ideia do sociólogo Zigmund Bauman de
modernidade líquida de maneira perfeita, nos mostrando um casal de pessoas
céticas modernas, sem crença em amores fantásticos ou eternos, eles são apenas
pessoas tentando se encontrar na chamada liquidez de nossa modernidade. Pois
hoje, não há mais solidez de ideias ou de comportamentos, vivemos em constates
transformações pessoais e nossos queridos protagonistas simbolizam isso muito
bem, pois as intensas mudanças de espaço e tempo apresentados mostram as
intensas mudanças que vivemos em nossa sociedade.