sábado, 7 de fevereiro de 2015

Tertúlia Análise: Cinema Blaxploitation - PARTE 2


PARTE 2 

E assim que chegamos na galera do "Blaxploitation", sem "pedir licença" eles colocam negros como protagonistas e definem o que é ser estiloso, descolado ("cool"), se voltando para o público negro jovem (dentro ou fora de Hollywood). Esses filmes possuem um forte reflexo de seu contexto histórico, apresentando uma narrativa muito mais "rebelde" que os roteiros dos filmes de Sidney Poitier. Período marcado pela presença da luta, da imagem e do estilo Black Power, ou como diria o ativista Kwame Ture, criticavam a ideia de assimilação dos negros pela classe média branca estadunidense, defendendo que essa classe média não tinha nada de humanista ou filantropa, rejeitando toda as ideias símbolo dessa classe: progresso, não violência, integração ao brancos e outras. Considerando que o negro ainda possuía o status social que possuía na época colonial, por isso mesmo deveria lutar, não conciliar.

Shaft (1971) de Gordon Parks

Mas o cinema Blax nunca se tornou um cinema militante, tanto que seu nome surgiu após um critica pejorativa a esse tipo de filme (numa tradução livre "Blaxploitation" seria algo como "exploração dos negros"), pois muitos alegavam que esse tipo de cinema somente fazia com que brancos lucrassem com os negros. Mas podemos afirmar que esses filmes eram sim politizados, mesmo até aqueles voltados para o mais chulo entretenimento, havia sempre um detalhe de rebeldia. Como exemplo, um tema muito abordado por esses filmes, foi a violência policial, que até então essa questão era abordada de maneira sugerida, adquirindo aqui um representação frontal (explícita), deste modo todos os policiais (sempre brancos) que eram apresentados nos filmes são idiotas, corruptos, preguiçosos e mantenedores da opressão. Assim vemos que toda essa rebeldia em seu cinema era uma resposta a essa repressão sempre presente na vida do negro dos Estados Unidos. 

The Mack (1973) de Michael Campus
Mas e como ficam nossos heróis (negros) nessas história? Bem, não são nenhum exemplo de moral e de bons costumes, são heróis ambíguos que não possuem uma glorificação total. No filme "Shaft" (1971) de Gordon Parks vemos nosso protagonista dividido no engajamento (militância), não se engaja mais permanece lutando independente (politicamente ativo), ou como no filme "The Mack" (1973) de Michael Campus em que dois amigos de longa data crescem e tomam caminhos distintos: um com a perspectiva de que a vida é "mulher e dinheiro" e o outro na luta feroz ao lado dos Panteras Negras. Esse dualismo de nossos heróis faz de suas vidas curiosas, trabalhando dentro e fora do sistema, possuindo um vida a margem de tudo e tirando o que lhe convinham de dentro do sistema, "não estão amarrados", possuem liberdade de transitar e negociam sempre seu lugar no mundo

CENA DE "SHAFT"

Saca só a letra da música: "Quem é o negão gostoso particular/Que é uma máquina de sexo para todas as garotas?/Shaft!/Você estão certíssimas/Quem é o cara/Que arriscaria seu pescoço por um amigo?/Shaft!/Você curte?/Quem é o cara que não dá pra trás/Quando o perigo está por aí/Shaft!/Ok/Você sabe que esse cara é um grande filho da.../Cala a boca/Mas eu estou falando do Shaft/Então nós podemos continuar/Ele é um homem complicado/Ninguém o entende menos sua mulher/John Shaft"

Vendendo sempre uma intensa imagem de poder e confiança de seu estilo "cool", como o personagem Shaft, que não "pede licença" em nenhum momento de seu filme, mas é o mundo que para ele. FODA NÉ? Mas infelizmente esse aspecto Badass reverbera o estereótipo de negro sexualizado (exemplo: negros possuem o pênis grande) ou da coisificação da mulher (exemplo: mulher como objeto, servindo somente para o sexo).

FOXY BROWN: "Mulheres são somente peitos..."

SUPERFLY: "Sou negão e por isso tenho o pinto grande..."

De tal modo acho essencial que conheçamos um pouco do grande músico Questlove, que alerta que a indústria cultural sempre "despontencializará" essas narrativas, pois esses contos rebeldes acendem o fascínio e o medo no imaginário dos espectador, isto é, despertam o deslumbramento perante um indivíduo que vive fora do sistema e não possui limites, mas por isso mesmo esse indivíduo pode causar a corrosão de todo o sistema e assim esse lado de ameaça é ocultado em muitas narrativas. Dessa maneira a comunidade negra está em constante negociação de seu espaço com a comunidade branca, nesse choque de ideais é que surgiram os resultados do Blaxploitation (negros com desejo de fazer filmes vs. brancos detentores das produtoras). 

Cleopatra Jones (1973) de Jack Starrett


Nesse sentido de negociação constante entre os negros e os brancos é que o Blaxploitation surge utilizando de três vias: utilizando de "samplers", com "subversão" e o chamado "afrofuturismo". 

O caso dos "samplers" é algo muito interessante e é o que fez os filmes "Blax" muito populares, essa maneira utilizava da mitologia cinematográfica (signos) readaptando para personagens negros, como o filme "100 Rifles" (1969) que utilizou o gênero icônico do faroeste (western) com um negro como protagonista, utilizando da tradição branca de John Wayne para assimilar um protagonista negro (a negociação defendida por Questlove). Outros exemplos de "samplers" que podemos mencionar seria "Cleopatra Jones", numa possível alusão de tecnologias da série 007.




Deste modo temos o filme "O Chefão do Gueto" (Black Caesar, 1973) de Larry Cohen (sim, o mesmo diretor de "The Stuff") que tem como "sampler" os filmes de gangster, utilizando signos apresentados em filmes como "Scarface - A Vergonha de Uma Nação" (1932) inserindo a figura do negro, como, por exemplo, a trilha sonora. 

SACA SÓ ESSA TRILHA SONORA... 
MUSICA ITALIANA + BLACK MUSIC!



Acredito que o melhor exemplo de "sampler" que temos seria a adaptação de Vampiro (sempre branco) pelos filmes "Blax", com "Blácula, O Vampiro Negro" (Blacula, 1972) de William Crain, em que conhecemos um príncipe africano que é transformado em vampiro pelo próprio Drácula. De tal modo esse filme trabalha com a ideia de sedução, que ao invés de brancos europeus tinham negros, mostrando uma grande desordem na tradição cinematográfica. Mas infelizmente o filme peca em outros momentos, como as primeiras vítimas de Blácula, que são homossexuais, sustentando a fragilidade de minorias em narrativas cinematográficas. 




E é nesse contexto que surge a "subversão", pois com o estrondoso sucesso dos filmes "Blax" as produtoras começaram a dar mais liberdade criativa para seus diretores, assim surge um dramaturgo chamado Bill Gunn, que lança o inteligentíssimo "Ganja and Hess" (1973), também do gênero vampiresco, inspirado e muito com as características da Nouvelle Vague francesa, sendo marcado pela descontinuidade narrativa, dando um forte sensação de mal estar (muito diferente das narrativas vampirescas) com grandes questões existenciais e metalinguísticas. Assim o filme subverte o "Blaxploitation", pegando o que há de canônico nele e o subverte, colocando uma difícil discussão sobre o negro em meio a sociedade racista: ser negro é algo como ser um vampiro, enfrentando todo dia uma sociedade que o estranha sempre.

Poster de "Ganja and Hess" (reparei agora, é o mesmo protagonista de "A Noite dos Mortos-Vivos" do Romero).
Deste modo o filme explora questões pesadas e cheias de incertezas, como o dualismo "desejo" vs. "necessidade", com reflexões do próprio Gunn o filme se torna muito pessoal, no dualismo do "desejo" de fazer arte e da "necessidade", as obrigações da produtora. Diante dessa perspectiva vemos que Gunn se enxerga vitima das obrigações da produtora, mas que ao mesmo tempo é o "assassino" do negro por fazer parte dessa indústria cinematográfica. (SPOILER) O personagem que representa Gunn no filme, não encontra solução para tal questionamento e comete suicídio. (/SPOILER) Infelizmente o filme foi ESTUPIDAMENTE recebido pela critica estadunidense, o considerando um filme estranho e sem qualidade alguma. E logo a questão de "desejo" e "necessidade" de Gunn se mostram presente: "Como fazer um filme relevante, sendo que existem tantos obstáculos?". São filmes ousados, subversivos, mas que sumiram da história! Você já ouviu falar sobre essas filmes? Conhecia suas tramas? Infelizmente acho que sua resposta será: NÃO! Como fazer arte com tantas barreiras criativas? Ao estar fazendo arte dentro desse sistema coibidor você não estará se entregando a ele? Como fazer ARTE? Como fazer ARTE?... QUESTÕES FODAS HEIN!

"Ganja and Hess" (1973) de Bill Gunn
Nessa época a afirmação da figura do negro com o Black Power se expande para muito lugares, como a música, a literatura e, como é o nosso caso, o cinema. Não podendo ficar fora do gênero mais foda de todos no cinema: o SCI-FI! Assim surge o chamado "afrofuturismo" (termo cunhado em 1994 pelo crítico Mark Dery), tentando refletir o papel do negro tanto no presente como no futuro, que poderia ser promissor ou totalmente distópico. Um ótimo exemplo é "Space Is The Place" (1974) de John Coney, com uma narrativa digna de filme épicos a obra tem um caráter "diaspórico": o negro que construiu o Egito Antigo, berço da civilização, agora se encontra nos Estados Unidos, mas não para permanecer ali para sempre (meio a brisa de "Interestelar" do Nolan, não?), podendo viajar pelo cosmos. Porque permanecer numa sociedade racista e cheias de obstáculos como esses se um universo de possibilidades existe? O filme então joga a possibilidade de mundos mais coloridos, mais sci-fi, mais "funkier" (como diria a artista Amelia Mason), logo nada pode parar a diáspora da comunidade negra. Saca só esse cena do personagem de Sun Ha disputando o futuro da humanidade num jogo de baralho (estilão "O Sétimo Selo" de Bergman).

"Space Is The Place" (1974) de John Coney
"O Sétimo Selo" (Det Sjunde inseglet, 1957) de Ingmar Bergman

Mesmo com tantas brisas locas o Blaxploitation se esgota, as história começam a ser muito repetitivas, (continuações desnecessárias e filmes como "The Black Gestapo"), mas seu impacto na filmografia é indiscutível (tanto que em 2015 tem um cara aqui escrevendo algo sobre e tem outro mané lendo ele agora, sacou?).

Diretor Spike Lee
Suas influências podem ser exemplificas em outros grupos de filmes ou atores famosos como Eddie Murphy e suas comédias policiais da década de 1980, o surgimento de um diretor negro com roteiros INSANOS como Spike Lee com filmes geniais "Faça a Coisa Certa" (1989) ou "Da Sweet Blood of Jesus" (2014), uma releitura de "Ganja And Hess". As influências do "Blax" ainda estão vivas quando vemos séries como "Todo Mundo Odeia o Chris" (Everybody Hates Chris, 2005-2009) de Ali LeRoi e Chris Rock fazendo sucesso ou a comédia policial "Black Dynamite" (2009) de Scott Sanders numa grande homenagem aos filmes setentintas do cinema negro. Podemos ainda mencionar o diretor Quentin Tarantino, em que todos os seus filmes possuem alguma base em roteiros da década de 1970, e o Blaxploitation não poderia ficar fora dessa, o filme "Jackie Brown" (1997) utilizando Pam Grier como protagonista (assim como em "Foxy Brown"). 

"Jackie Brown" (1997) de Quentin Tarantino

Bem pode ser que você nunca tenha ouvido falar, mas o Blaxploitation veio, subverteu o cinema e realizou transformações que tornaram possíveis roteiros transgressores que hoje achamos totalmente comuns! Nessa busca por se representar no cinema, na busca por uma identidade (mesmo que fosse cinematográfica), mudou a realidade e a mentalidade da população estadunidense branca acerca de muitos negros, agindo na arte e transformando a realidade. Se hoje ainda existe racismo é por que a luta ainda não acabou! TIE FOR THE BLACK PEOPLE!  

  
PARA FINALIZAR ESSE ROLE, FIQUE COM O TRAILER DE 
"Black Dynamite" (2009) de Scott Sanders
Uma grande homenagem aos filmes Blax!
clique aqui 



Leia a 1ª PARTE aqui.
 
Siga o Cine Tertúlia no Facebook e no Instagram
Assine nosso Feed e recebe as últimas atualizações.
ACREDITE NA GRAVATA!


PS: Todas as brisas desse post foram tiradas do curso "Blaxploitation e o cinema negro" que aconteceu no CineSesc em Janeiro desse ano. Por isso aqui vai meu agradecimento ao Heitor Augusto e o link do seu Blog (ursodelata.com).
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário