terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

TertúliaView: Deus só Atende aos Domingos (Des Nouvelles du Bon Dieu, 1996) de Didier Le Pêcheur.


Afinal que PORRA foi aquela hein? Após esses anos de distanciamento podemos analisar a década de 1990 de uma maneira ímpar! Afinal se vamos TERTULIAR sobre algo, devemos sempre ter em mente que o tal objeto de analise é um reflexo de seu contexto. Logo me arrisco a dizer que com esse filme podemos compreender e muito sobre esse período, cheio de questionamentos e incertezas, que foi marcado com destruição de muitas utopias e imposições de muitas distopias

+ Deus só Atende aos Domingos (Des Nouvelles du Bon Dieu, 1996) de Didier Le Pêcheur.

Costumo olhar para a década de 1990, como uma década muito, mais muito mesmo, singular na história da humanidade, assim como foi o ano 1000 para nossos antepassados. Questão analisada pelo historiador Hilário Franco Júnior, nos mostrando que naquela época existia uma complexidade muito particular, pois o pensamento coletivo estava fortemente influenciado pelo temor cristão do Fim dos Tempos, assim nos apresenta reações e atitudes que influenciaram mudanças naquela época, como a criação do futuro Feudalismo. De tal modo o historiador nos apresenta reflexões de como a humanidade recebe a passagem do tempo e como ela influi no seu cotidiano, estabelecendo um conversação entre esse individuo do século X e o indivíduo do século XX, questionando até mesmo sua existência, e é ai que entra o filme em questão.

Os irmãos Nord (Christian Charmetant) e Evangile (Marie Trintignant)
O primeiro longa de Didier Le Pêcheur coloca inquietações precisas sobre diversas questões existenciais que passam pela nossa mente em vários momentos de nossa vida. Os personagens desse filme buscam Seu Criador (Deus) para que explique tais perguntas, assim como em filmes como "Mais Estranho que a Ficção" (2006) e seu personagem em crise narrativa, ou mais precisamente como no filme holandês "Garçom" (2006) em que o protagonista deseja melhorias em sua vida e por isso entra em contato diversas vezes com o escritor da história. Todos englobam a crise no ser humano na narrativa que chamamos de vida, avançamos uma página a cada dia, indo diretamente ao fim do "livro"... Logo, VIVEMOS PARA MORRER? PQ VIVEMOS? PQ ESTAMOS AQUI? QUAL É O NOSSO PROPÓSITO? 

A atriz Maria de Medeiros

Como um bom fã de "O Guia do Mochileiro das Galáxias" de Douglas Adams poderia responder agora na lata um "42" para você, mas acredito que isso não ajudaria muito aqui nesse #TertúliaView.

O escritor Douglas Adams e sua resposta para a vida, o universo e tudo mais...

Outro filme interessantíssimo que podemos relaciona-lo é "O Dia da Besta" (1995) do sempre bizarro Álex de la Iglesia, apresentando a história de um padre que, através de uma fórmula, descobre o dia do nascimento do Anti Cristo e por isso quer entrar em contanto com o Tinhoso para descobrir o local exato... Assim vemos claramente as incertezas da humanidade no período em questão: uns buscam a Deus e outros ao Diabo... Quem estaria certo? VÁ LÁ SABER!

Cena do filme "O Dia da Besta"

Mas por favor, não pense que por causa dessa reflexão o filme tenha uma narrativa pesada e cheia de dramas, muito longe disso! É um filme com um humor de primeira que minha pessoa não via em tempos! Com cenas inusitadas e cheias de vigor, para deixar sua cachola mais do que EXPLODIDA! Quer uma sinopse pra auxiliar vossa mercê? Nóis manda sim! A história começa com um escritor chamado Alessandro Battavia cometendo suicídio e assim deixando uma esposa em tremenda depressão. O  último livro Battavia alegava que todos nós vivíamos nada mais que uma narrativa de um livro... A REALIDADE? Bem, ela não existe! Tudo seria uma narrativa de um livro, mas devido ao fato de todos acreditarem nela, ela passou a ser real. Tal perspectiva despertou o fascínio de muitas pessoas, como os dois irmãos protagonistas da história, que desejam de todo modo falar com o Escritor de suas vidas, ou seja, Deus. Mas para isso realizam roubos, assassinatos e outras bizarrices para alcançar tal "contato", reunindo com eles temos um padre em crise de fé, a viúva do escritor, uma policial e um homem com poderes psíquicos. Assim o filme constrói uma metalinguagem única: ao mesmo tempo que buscam falar com Deus discutem questões modernas relacionadas a ficção.

Sempre em busca de respostas...

Assim o roteiro de desenvolve perfeitamente, passando por quase todos lugares de questionamentos da humanidade: Igreja e a nossa fé, Relações Sexuais e a busca pela prazer, Cartomantes e a necessidade por respostas e outros... É cara somos seres cheios de dúvidas e ela seria nosso motor, o impulso para que finalmente vivamos. 

MELHOR CENA DO FILME!

O filme possui cenas geniais com muito humor que fará qualquer um se surpreender, como na cena em que aparece na tela "2 DIAS DEPOIS" e a partir dai os personagens começam a discutir sobre por que motivo não lembram do que aconteceu nesses últimos dias, qual é a função de tal condição na história... Ou na cena em que (SPOILER) finalmente encontram Deus e ele se revela com o nome de Louis Albert Deus e as vivências medíocres dos nossos queridos personagens não passam de um história baseada na vida medíocre de Louis (/SPOILER) GENIAL CARA! 

Eu diria o nome desse personagem... Mas seria spoiler...

Se a década de 1990 foi marcada por bizarrices (quer melhor exemplo do que o grunge?) podemos ver como as atitudes dos personagens do filme em questão também são bizarras, ou melhor, como nós mesmo somos. Mesmo que não queiramos reconhecer isso, acredito que somos seres cheios de dúvidas acerca de como vivemos nossa vida (ou de como a vida é vivida)! Questionamos tais como: por qual motivo estamos aqui? E se estamos aqui, seria para fazer o que realmente? Vivemos simplesmente para morrer? Não há algo de extraordinário nisso tudo?

Nossos amiguinhus perdidos...

Sinceramente não posso responder essas questões ("pode sim: 42!") mas acredito que o roteiro de Artus de Penguern consegue mostrar que nessa busca por respostas a nossas contradições fazemos algo com nossa vida que ninguém mais fará: fazê-la valer! Ou melhor dizendo: como dois irmãos idiotas, uma mulher a beira do suicídio e um padre sem fé poderiam viver nesse mundo? Mas no momento que rejeitaram as imposições e partiram em busca de suas inquietações passaram a dar valor a vida, mesmo que ela fosse insignificante para os outros, mesmo que fosse por pouco tempo! Mas fizeram valer aquele momento com muito INSANIDADE!

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