Tertúlia Análise: Cinema Blaxploitation - PARTE 1

Transformações, acredito que essa palavra seja algo básico para compreendermos o que é o motor da vida. Contradições e posicionamentos que questionam o regime vigente para implantar algo que julgamos necessário para os novos contextos que estão presentes. Deste modo quero começar essa analise citando um triste fato que ocorreu em Novembro do ano passado, no lançamento do tão esperado trailer do novo filme da série Star Wars.

John Boyega em cena do trailer de "Star Wars"

Na cena inicial do trailer é apresentado um negro (John Boyega) com a vestimenta de um stormtrooper. Esse simples fato desencadeou diversas críticas dos fãs mais puritanos da saga, alegando que os stormtrooper são todos clones de Jango Fett, logo era impossível existir algum negro e incitando diversos comentários NOJENTAMENTE racistas. O que Boyega fez? Postou de maneira genial essas três palavras: "Acostumem-se com isso" (http://goo.gl/q5QHnh). FOOOOODA!

NERDS SÃO FODA HEIN...

Mas o que esse "acostumar" quer dizer? Por que motivo essa reação tão violenta dos fãs? É com essas questões que eu quero começar essa analise. Apresentando como o cinema pode ser racista, machista, sexista e muitos outros "istas", logo acredito está na hora de deixarmos de ser "espectadores passivos" - aquele que acredita que o filme pertence somente ao universo do lazer - e nos tornarmos TERTULIANOS EXPLODIDORES DE MENTE! TOPA? ENTÃO VAMO NESSA!

Será que o negro nunca teve uma representação no cinema? Representação? Sim, várias! Desde de um ser animalesco e maligno até um individuo BADASS e cheio de estilo. E é nesse momento que se encaixa a análise de hoje tertulianos e tertulianas, vamos falar de BLAXPLOITATION!  WHAT?

Sweet Sweetback's Baadasssss Song (1971) de Melvin Van Peebles

Tal cinema se encaixa no gênero de filmes chamado "Exploitation", filmes quase em sua maioria independente que tem como atrativo a quebra de norma de morais e por serem apelativos como: sexo, violência, romance, consumo de droga, nudismo e outros. Assim o cinema Blaxploitation ocorreu nos Estados Unidos e teve seu ápice no período de 1970 e 1975, não chegou a ter um fim definitivo, mas sim um esgotamento, mas suas influências estão presentes até hoje no cinema. Esses filmes tinham sempre em mente trazer uma nova imagem do negro, sendo um conjunto de filmes feito por e para negros (o termo "movimento" não se encaixa aqui devido ao fato desses filmes não possuírem uma agenda programática). Como era algo até então nunca visto (totalmente rebelde), seu principal público eram jovens urbanos que gostavam de acompanhar essas histórias de gênero (principalmente policial, ação e aventura).

O Chefão do Gueto (Black Caesar, 1973) de Larry Cohen

Muito além desse aspecto o cinema Blax (para ser mais intimo) desejava uma inversão de papéis, se os negros eram os malvados até então, agora eles seriam os heróis! Se os brancos eram os indefesos e salvadores da pátria agora seriam opressores e sem nenhuma civilidade. De tal modo que manuseavam a mitologia da tradição cinematográfica, pegando signos existentes e moldando-os. GENIAL! Mas só que esse cinema encontrou muitas barreiras e uma delas foi da própria comunidade negra, como a "Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor" (NAACP, sigla em inglês) que acreditava que o negro representado pelo Blax não era um bom exemplo ético. Dois ótimos exemplos de filmes Blax, que podemos apresentar aqui seria " Sweet Sweetback's Baadasssss Song" (1974) de Melvin Van Peebles e "Foxy Brown" (1974) de Jack Hill, os dois possuem muitas características básicas desse tipo de cinema. VEJA NOS VÍDEOS ABAIXO!

CRÉDITOS INICIAIS DE "FOXY BROWN"

TRAILER DE "SWEET SWEETBACK'S BAADASSSSS SONG"

PARTE 1

Mas para falar de Blaxploitation (década de 1970) precisamos conhecer o processo de representação do negro no imaginário estadunidense, assim vamos voltar um pouquinho no tempo: para 1860! Num Estado Unidos com uma sociedade segregada e cheio de contradições, assim, no ano de 1862, ocorre a Guerra de Secessão (1861-1865), que, de maneira generalista, dividiu o pais: com o Norte defendendo um regime federalista e libertação dos escravizados e o Sul, acreditando numa sociedade rígida com a manutenção da escravidão dos negros. Para alegria dos IRMÃOS quem ganha essa Guerra seria o Norte, implantando a tão sonhada sociedade democrática e de liberdade (SERÁ?). Bem, após a Guerra teve um período conhecido como "Reconstrução" (1865-1877) que, de maneira sucinta, foi  marcado por uma série de acordos entre o vitorioso Norte e o derrotado Sul. Mas ironicamente nesse período foi marcada por fatos extremamente racistas, como a criação da Ku Klux Klan (1865) e a implantação das Leis de Jim Crow (1876) com o intuito de segregar ainda mais a sociedade americana, criando a sociedade do "separate but equal" (separados mas iguais), nada mais que um racismo institucionalizado, colocando o negro ainda como inferior. Portanto é fácil de concordar com a afirmação "o Norte venceu a Guerra, mas o Sul ganhou a Reconstrução e a Narrativa". 

Exemplo da política do "separados mas iguais".

É com essa perspectiva que surge o filme "O Nascimento de Uma Nação" (The Birth of a Nation, 1915) de D. W. Griffith, culpando fortemente os negros pelos conflitos ocorridos no século XIX e pelos problemas do período. Mesmo sendo considerado um marco revolucionário nas artes (montagem paralela, alternância de planos, travelling) ele possui uma conotação NOJENTAMENTE racista, utilizando de técnicas como o "Black Face" (brancos com a face pintada de preto) para interpretar os "estúpidos" negros. Assim a caracterização dos negros nesse filme não foi nada animadora, todos os negros são vilões, idiotas, puxa sacos, animais ou dóceis e utiliza um forte maniqueísmo: negros são bárbaros e os brancos são civilizados. Infelizmente, quando o filme se mostra FODA é onde ele transborda um extremo racismo.

Poster do filme "O Nascimento de Uma Nação", exaltando o "herói" da KKK.

Felizmente como mencionei ao início da análise a "transformação" sempre se faz presente e no século XX foi o que não faltou! O anos 1970, foram frutos de mudanças na indústria cinematográfica, que tiveram início na década de 1950, uma década marcada pela popularização da Televisão que trouxe como resultado um expressiva queda de bilheteria. Até a década de 1940, os filmes morais e de família tinham sucesso garantido, após essas mudanças o gosto do público se tornou complexo, as grandes produtoras não tiveram outra opção a não ser investir em novos diretores! E justamente nesse período que surgia o movimento Black Power, um forma distinta de representatividade do que era ser negro! Logo ocorreu uma curiosa união da industria cinematográfica racista e novos diretores negros, isto é, uma indústria em crise vendo no cinema Blax uma forma de lucro.

(1915) O Nascimento de Uma Nação: O negro como um ser sem humanidade, um ANIMAL

 

(1973) Cleopatra Jones: O negro se transforma num ser respeitável e cheio de alto confiança

Após o sucesso de "O Nascimento de Uma Nação" (The Birth of a Nation, 1915) a NAACP tenta realizar manifestações de repudio ao filme e cria um lobby cinematográfico para retratar uma nova visão do negro no cinema, tentando realizar um "filme resposta". E assim surge o filme "Deus e a Humanidade" (The Birth of a Race, 1918) de John W. Noble, mais que infelizmente se tornou um fracasso, com divergências na produção e tendo como resultado um filme bastante ruim.

Poster de "The Birth of a Race"

Com o início da década de 1920 temos o chamado "Roaring Twenties" (algo como "vibrantes anos 20") que marcaram os Estados Unidos como uma nova potência mundial e com o movimento negro ainda tentando encontrar seu espaço no mundo cinematográfico. Surge assim os chamados "Race Pictures", sendo fruto d o crescimento urbano (migração dos negros do sul para o norte) e a chamada "renascença do Harlem" (engajamento de artistas do bairro), tendo como objetivo base de contar suas próprias histórias, ou seja, negros falando de negros com a temática base de elevação social do negro (uplift), idealizando personagens perfeitos e sem nenhuma mácula. Percebemos assim que esses filmes iam na contramão do "black face" de "The Birth Of a Nation". Mas infelizmente tinham grande dificuldades de produção por ser um cinema independente, tendo uma concorrência desleal com os filmes comerciais de Hollywood e uma grande limitação de circulação. Mesmo assim marcaram muito a cinematografia estadunidense, como por exemplo o diretor Oscar Micheaux, tratando de temas "pesados" para a época, tais como: casamento interracial, linchamentos e mortes, empecilhos para a elevação social do negro, submundo no Harlem e outros. Tendo como uma forte crença na elevação social do negro (entrada na classe média) como a solução de todos os problemas raciais.

Oscar Micheaux

Mas reafirmo aqui pela terceira vez, a vida é feita de transformações e assim nas décadas posteriores (1950, 1960) MUUUITAS, MAS MUUUUUUUITAS TRNASFORMAÇÕES OCORRERAM. A NAACP ampliaram suas discussões acerca da imagem do negro no cinema estadunidense e começaram a trabalhar com um lobby dentro da indústria cinematográfica, isto é, trabalhando dentro do sistema racista de Hollywood, com diversos acordos e boicotes. Temos o movimento dos direitos civis, Martin Luther King Jr e sua ideologia da não violência, Malcolm X e sua rigidez perante o racismo, Angelas Davis e os Panteras Negras. Todas essas transformações sociais tiveram como reflexo a popularização no cinema o gênero "social problem film".

Muito ódio no coraçãozinhus desses brancos hein...

Como reflexo dessas intensas mudanças temos a ascensão do ator Sidney Poitier (o Ricardo Darín do movimento negro da década de 1960, isto é, o primeiro superstar negro). Sendo como modelo de bom cidadão (culto e articulado), uma boa ilustração da expectativa da figura do negro pela NAACP. Os temas de seus filmes são muito semelhantes aos do "Race Pictures", como o casamento interracial, elevação social e aceitação em sociedade. Com isso participou de grandes filmes como "Adivinhe Quem Vem Para Jantar" (Guess Who's Coming to Dinner, 1967) e "No Calor da Noite" (In the Heat of the Night , 1967). Mas ai está a contradição, ao mesmo tempo que a figura de Poitier era algo revolucionário (comparado ao negro retratado de "The Birth Of a Nation") ele ainda era um negro adestrado, um negro que pedia licença para falar, entrar e existir. Outro ponto a mencionar é que os filmes de Poitier sempre tinham questão chaves para a sociedade estadunidense, mas que infelizmente chegava "atrasado" no cinema, seus filmes surgiam sempre em "momentos de conciliação" não de "contestação". 

CENA DO FILME "ADIVINHE QUEM VEM PARA JANTAR" COM POITIER "PEDINDO LICENÇA"

 

QUER MAIS? CALMA AI... DIA 07 SAI A CONTINUAÇÃO!

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