Direção: Michael Anderson
Roteiro: David Zelag Goodman, William F. Nolan, George Clayton Johnson
Elenco: Michael York (Logan), Richard Jordan (Francis), Jenny Agutter (Jessica).
Cuidado, este post contém revelações sobre o enredo. |
Tal
sociedade é muito bem discutida no filme, uma sociedade que se baseava em uma
ilusão, o "perfeito" seria somente para poucos, assim como
apresentado no também setentista "Ano 2003 - Operação Terra"
(Futureworld, 1976) de Richard T. Heffron - que tem um dos melhores finais da
história do cinema (SPOILER) - em que somos apresentados
a uma tentativa de criação de um lugar perfeito. Mas em Fuga no Século 23 o
role já é mais pesado! Estamos em uma sociedade perfeita! Todos sobreviventes
de uma guerra no mundo - assim como em "Blade Runner" (mais no livro
de Philip K. Dick) e em "Equilibrium" ao tratar de um mundo posterior
à uma nova Guerra Mundial. Sendo uma sociedade que vive somente para o prazer,
proporcionado principalmente por máquinas, uma possível referência a uma
sociedade cada vez mais dependente de máquinas para se obter a felicidade.
Assim como temos hoje com celulares e o computadores, que provavelmente você
esteja utilizando agora para ler esse texto, ou como cinema, fruto de uma
sociedade compulsiva por máquinas, sendo uma arte fruto de máquinas.
Uma
vida fácil, sem preocupações e onde a oferta de sexo é fácil. Apenas ligue sua
máquina, veja um catálogo e escolha um parceiro - apenas momentâneo - para se
divertir. Típico da sociedade do consumo fácil e rápido que começa a se
delinear na década de 1970. Porém, no filme não se torna tão fácil assim. Nosso
protagonista faz todos estes passos, porém a parceira escolhida por ele, o
rejeita. Não aceita transar com ele. Justamente com ele, um indivíduo que ocupa
uma posição elevada naquela sociedade. Não era isso que esta sociedade o
prometera.
Essa
sociedade se baseia estritamente no presente: o passado? Sem reflexão... o
futuro? Não há outra possibilidade se não a continuidade do presente, uma sociedade
sem aspirações e sem expectativas. Logo o ritual chamado de
"renovação" é a "morte" dos habitantes, para poderem
renascer jovens novamente. Por qual motivo ficar velho? Se a memória não se faz
útil e o futuro não é encarado com esperança? Então vamos viver um ciclo
infinito sem expectativas... Mas afinal porque ter alguma? Seu sistema é
"simples, lógico, perfeito. Você tem algo melhor?", como diz o
personagem Francis 7 ao nosso protagonista Logan 5, se eles vivem em um
paraíso, não há questionamento!
Se
não há expectativas, não há apego, não há esperança pela mudança... E assim
essa sociedade é cada vez mais individualizada, com cada um em sua função
(escolhida no momento em que nascem, já que eles são "renovados"), o
apego se torna algo antiquado e obsoleto. Conhecer seus progenitores é algo
considerado asqueroso... Afeto é algo inconcebível... O ser humano se
coisifica, em meio a um mundo de pessoas
funcionais e sem sentimentos.
Outro
ponto interessante é a relação do tempo com a liberdade, na cidade todos
possuem um chip que determina o tempo de vida de cada um, assim eles estão
presos dentro de um ciclo de funcionalidades e produção. Uma cena em
que Logan 5 e Jessica 6 percebem que seus relógios não funcionam mais, logo não
se encontram mais dentro do sistema temporal da cidade, eles se encontrar
simplesmente como são: humanos... E numa possível referência ao movimento de
liberdade sexual do período, eles estão peladões nessa cena.
Durante
todo o filme, a questão da ambivalência
da vida é problematizada. Para quem nunca ouviu falar desse conceito, ele
foi cunhado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Esta ambivalência a que
Bauman se refere é a relação entre a segurança e a liberdade. Para mais
informações, recomendo uma entrevista dele disponível no Youtube.
Em uma sociedade que se pode ter tudo, a liberdade se torna uma pequena ideia sacrificada em nome da segurança e diversão que pode ser desfrutada ao longo de 30 anos. Uma ideia tentadora sem dúvida, mas ao mesmo tempo entediante, ainda mais para jovens que não aceitam serem controlados e por isso fogem para uma ala da cidade isolada e vivem como indigentes.
Em uma sociedade que se pode ter tudo, a liberdade se torna uma pequena ideia sacrificada em nome da segurança e diversão que pode ser desfrutada ao longo de 30 anos. Uma ideia tentadora sem dúvida, mas ao mesmo tempo entediante, ainda mais para jovens que não aceitam serem controlados e por isso fogem para uma ala da cidade isolada e vivem como indigentes.
Todos
são privados de saírem da redoma que cerca a cidade, e se tentarem, são
eliminados. Um eufemismo adotado pelos vigilantes, pois mesmo neste momento não
se pode admitir a morte. Mas por que esta compulsão por deixar a cidade? Talvez
o medo da tal renovação, que muitos aceitam crentes que retornarão novos em
folha, mas ninguém nunca conheceu alguém que tenha se "renovado". O
que há lá fora? Logan 5 é designado a descobrir. A Máquina ordena que ele
encontre "O Santuário" e para isso o transforma em um dos fugitivos,
tirando seus preciosos anos de juventude antes do "Carrossel de
Fogo". Anos que não é bem certo que a Máquina o devolverá. Quando os
papéis se invertem, Logan 5 começa a compreender porque as pessoas tentam fugir
deste ambiente seguro. A morte no fim assusta, ainda mais para indivíduos de
uma sociedade imediatista. Nós iremos realmente voltar? Nunca se encontrou
ninguém para responder...
Tornando-se
agora um fugitivo, Logan 5 agora tem que lutar com aqueles que antes eram seus
parceiros de trabalho e tentar cumprir sua missão, que neste momento não é mais
encontrar o tal "Santuário", mas sobreviver. E quando realmente ele
consegue, descobre-se um mundo completamente diferente do que ele conhece. Isso
merece ser compartilhado com as pessoas que vivem na redoma de vidro. Mas quem
lhe daria ouvidos? Obviamente uma grande referência à Platão e o seu Mito da Caverna.
Mas
acho que o filme peca muito ao colocar conclusões, Logan e Jessica
encontram antigos símbolos políticos dos States (assim como em "Planeta
dos Macacos" de 1968), andando nas ruínas do "National Mall" de
Washington DC e lá encontram um velho, coisa que nunca tinham conhecido: algo
velho, com memórias, vivências e sentimentos. Assim esse velho se torna então a
solução para as mentiras que foi construído o mundo de Logan... sacou? O velho
seria uma analogia aos antigos costumes estadunidenses, ao encontrar a solução
dentro dele o filme alega que a solução para o futuro do mundo está contido
naquele "passado" da história do filme, mas o presente de 1970. Logo
o filme cai infelizmente em sua própria crítica, ao exaltar a sociedade
presente dos Estados Unidos e afirmar que o futuro é algo maldito. Além disso,
o velho que detém memórias de como o mundo era antes da guerra é o único que
pode questionar as verdades impostas por aqueles que controlam a cidade na
redoma de vidro, uma forte alusão aos regimes totalitários que a pouco os
Estados Unidos livrou o mundo.
Fuga no Século 23 não trás discussões tão inovadoras se olharmos hoje. Filmes como os já citados Equilibrium (2002) e Planta dos Macacos (1968), ou mesmo Matrix (1999) e 1984 (1984), trazem discussões se não parecidas, muito próximas. Porém temos que levar em conta o ano que "Fuga" foi produzido, 1976. Em meio de diversas mudanças políticas, culturais e sociais que o mundo da Guerra Fria atravessava, sua abordagem certamente levantou discussões importantes para o período e que se mantém atuais. Vejo Fuga no Século 23 como a ficção científica por excelência, não apenas por se passar em um futuro cheio de máquinas e roupas estranhas, mas por utilizar esses elementos para dialogar com a época em que foi produzido e assim levantar discussões e críticas.
Fuga no Século 23 não trás discussões tão inovadoras se olharmos hoje. Filmes como os já citados Equilibrium (2002) e Planta dos Macacos (1968), ou mesmo Matrix (1999) e 1984 (1984), trazem discussões se não parecidas, muito próximas. Porém temos que levar em conta o ano que "Fuga" foi produzido, 1976. Em meio de diversas mudanças políticas, culturais e sociais que o mundo da Guerra Fria atravessava, sua abordagem certamente levantou discussões importantes para o período e que se mantém atuais. Vejo Fuga no Século 23 como a ficção científica por excelência, não apenas por se passar em um futuro cheio de máquinas e roupas estranhas, mas por utilizar esses elementos para dialogar com a época em que foi produzido e assim levantar discussões e críticas.
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