quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

TertúliaView: "Força Aérea Um" (Air Force One, 1997) de Wolfgang Petersen

Volta e meia vejo esse filme na televisão e sempre me interessou os vilões desse filme: suas motivações e ideais, como se desenvolve a ação do filme, mas existe algo além do vilão com um plano maléfico tentando destruir o cara bonzinho? E afinal, quem são os vilões?

+ "Força Aérea Um" (Air Force One, 1997) de Wolfgang Petersen 


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  Após o discurso do presidente americano Jim Marshall comemorando a prisão de um ditador, o General Ivan Radek, a comitiva se prepara para a viagem de volta aos EUA no avião presidencial, o Força Aérea Um. No entanto, partidários do ditador preso sequestram o avião ameaçando a vida do presidente e de sua família e reivindicando a liberdade de Radek.

Esse filme também é conhecido pelos piores efeitos especiais da história do cinema

   Lançado em 1997, Força Aérea Um retomava em sua história a polarização da Guerra Fria apresentando um ditador ligado a União Soviética e seus partidários que buscam não somente sua liberdade, mas a chance de reviver a glória do passado soviético. O líder desse grupo, Ivan Korshunov, em certo momento descreve como a "mãe" Rússia havia sido entregue a políticos corruptos, como o presidente russo retratado no filme, que contribuiu com os EUA para a captura de Radek, e é apresentado vivendo em uma mansão luxuosa.
   O aspecto principal que chama a atenção em Força Aérea Um é exatamente o contexto utilizado pelo filme. Não indicando o ano que é ambientado,  na ocasião de seu lançamento a União Soviética havia acabado fazia seis anos e os EUA se consolidava como potência única no mundo (e ainda hoje existem autores que defendem a unipolaridade americana no cenário geopolítico). Se houve a defesa que a história havia acabado e o modelo capitalista havia vencido, eis que surgiriam movimentos que contradiziam isso: os partidários de Radek! (tá, nem tanto estes, talvez os Zapatistas na vida real).
   O antagonismo construído entre o presidente dos EUA Jim Marshall (Harrison Ford) e o líder do grupo Ivan Korshunov (Gary Oldman), é representativo da questão do contexto: os dois personagens indicam polos opostos que podem tanto ser a divisão política da Guerra Fria ou a divisão entre bem e mal. Se Marshall é presidente dos EUA, veterano de guerra e pai que ama sua família, Korshunov é o terrorista lutando por uma causa perdida, e mesmo que em certo momento ele fale que também tenha família, seus ideais sobrepõem todos os aspectos de sua vida. O filme busca assim justificar a necessária ação do presidente para por fim aquela situação, de combater este grupo mesmo estando em desvantagem. Sendo Korshunov e seus parceiros os caras maus, os terroristas, e taxar eles assim também os desumaniza, é permitindo e justificável qualquer meio ou sacrifício para que sejam parados.


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  "Agora você vai falar pra todo país que o Han Solo atirou primeiro"

   Duas cenas chamam a atenção para a construção do personagem Korshunov. Na primeira cena, após assassinar uma refém ele se dirige a Primeira-Dama e diz que aquilo é uma guerra, ela rebate dizendo que não há guerra alguma no que Korshunov responde "Você, que matou 100.000 iraquianos para economizar 1 centavo no litro da gasolina. Você irá me dar aulas sobre as regras da guerra? Não!". O indivíduo é confundindo com a coletividade. Para o vilão cada americano é culpado pelas ações do país, nesse caso, ele faz referência a Guerra do Golfo de 1991 que envolvia interesses econômicos acerca da produção de petróleo. Na outra cena, Korshunov aponta para o fato de que o presidente americano matar pessoas de terno e com um botão não torna ele menos criminoso, equiparando os dois personagens moralmente. No entanto, nesse mesmo diálogo, Korshunov se reconhece como monstro e separa a sua moralidade de seus ideais, ele mata por que acredita em uma causa, e isso traça novamente o limite entre os dois. O presidente Marshall, retratado como excitante e ansioso, ataca para se defender, para proteger sua família, e mesmo que tais ações se aproximam da violência usada por Korshunov, essas ações são pelos motivos "certos", não para libertar um ditador sanguinário. No final, os vilões morreram, todos estão as salvos, o herói americano, contra todas as adversidades, salva o dia.
   As mudanças que ocorreram pós-Guerra Fria representavam o triunfo dos EUA e o filme reforça isso ao destruir novamente este mundo. O ditador Radek é morto, seus partidários são mortos, os militares ainda leais a Radek são abatidos facilmente pelos caças americanos.  Se o encarte do DVD estampava a frase "negocia ou morre", ou em outras palavras, aceite os termos do EUA ou  sofra as consequências, Força Aérea Um reforça o lugar comum dos EUA como defensores da liberdade e da democracia, mesmo que para isso seja necessário o conflito, a guerra.
 

America, Fuck Yeah!


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quinta-feira, 16 de novembro de 2017

TertúliaView: "Terra Selvagem" (Wind River) 2017 de Taylor Sheridan



Provavelmente você já ouviu falar que o Western ou faroeste (bangue-bangue ou filme de cavalo) é o "cinema por excelência" dos Estados Unidos. De fato é o gênero mais longevo, iniciando com os primórdios do cinema e rendendo grandes filmes até hoje. E de fato como tudo que é longevo está a mercê das transformações do tempo, o próprio gênero Western se modificou. No entanto, não estou aqui para tratar da evolução do gênero até os dias de hoje, isso será assunto de outro post. O que venho tratar aqui é de como Terra Selvagem (Wind River - 2017) é um filme que está inserido neste (podemos dizer) gênero fílmico.

+ Terra Selvagem (Wind River) 2017 de Taylor Sheridan



Dirigido e roterisado por Taylor Sheridan, o mesmo roteirista de A Qualquer Custo (Hell on High Water - 2016) e Sicario - Terra de Ninguém (Sicario - 2015), Terra Selvagem conta a história de uma morte misteriosa em uma reserva indígena no estado de Wyoming, Estados Unidos, e os esforços de Cory Lambert, interpretado por Jeremy Renner, um caçador que protege a reserva de ataques de lobos e leões da montanha, e Jane Banner, interpretada por Elizabeth Olsen, uma oficial do FBI que foi designada a investigar o crime.

 Em um cenário inóspito das planícies geladas do Wyoming, o título do filme brinca com a situação: em primeiro lugar pelo próprio espaço onde o filme se desenrola, um local que remete aos Wilderness dos filmes de faroeste clássicos, apesar de seu clima que chega a 30 graus negativos. Podemos definir Wilderness como qualquer espaço inóspito onde os homens e mulheres, por conta de condições climáticas,  isolamento e contato com a vida selvagem, são testados e tem seus valores civilizatórios colocados a prova.
O antagonismo entre a Cidade e o Wilderness, espaço onde só os fortes sobrevivem.
 E em segundo lugar, o título faz uma alusão à própria condição que os nativo-americanos se encontram. Com uma história de exploração e massacre, estas populações foram sucessivamente retiradas de seus territórios e cercadas em parques e reservas e abandonadas pelo governo americano. Podemos entender o filme como um manifesto clamando por melhores condições para estas populações, que nem sequer entram nas estatísticas de pessoas desaparecidas, ficando desamparadas pela lei estadunidense.
A perda da cultura nativa
Não é apenas no título que encontramos referências a temática do cinema Westerns. O personagem de Jeremy Renner é um exemplar do herói clássico do gênero. Apesar de sua boa relação e proximidade com a comunidade indígena, Cory Lambert não é indígena e sua inserção na comunidade ocorreu pelo seu casamento com uma nativa, exercendo uma autoridade carismática dentro da comunidade. Ele conhece a reserva e seus habitantes e sabe como agir, sempre seguindo seu código de conduta moral particular. Sua motivação também é típica dos heróis de faroeste. Definido conceitualmente como Inner-directed hero, ou seja, o herói motivado por questões interna, Cory decide ajudar nas investigações pelo fato do caso lembrar um grande trauma de seu passado.


Um elemento recorrente do Western Clássico é a partida do herói ao final da aventura, elemento subvertido aqui.
No entanto, alguns elementos subvertem a ordem clássica do gênero. Aqui não há a luta clássica entre o cowboy e os índios, sempre representados como um entrave para a conquista do Oeste. Apesar de haver uma tensão entre nativo-americanos e brancos ela é motivada pela condição que os brancos legaram a estas comunidades. Não há estereótipos indígenas, o que vemos é uma comunidade modificada pelo convívio com o homem branco que marginaliza e não reconhece os direitos destes grupos.
Outra subversão presente em Terra Selvagem é a perda do cowboy como referência.
Apesar de carregar alguns vícios do cinema Western clássico, como  o protagonismo do homem branco e o papel secundário da mulher, Terra Selvagem embarca na locomotiva do novo cinema de faroeste e certamente se tornará uma título lembrado do gênero. Sua crítica social também é um ponto a ser exaltado, principalmente pela escassez de filmes que representam as populações nativo-americanas de maneira não estereotipada e evidencie os problemas que estão legadas.

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sexta-feira, 6 de outubro de 2017

TertúliaView: "A Múmia" (The Mummy, 2017) de Alex Kurtzman

+ A Múmia (The Mummy, 2017) de Alex Kurtzman



Explicar por quê um filme é ruim as vezes pode gerar muita discussão, principalmente se você acha que o melhor lugar para mostrar sua opinião é aquele grupo de cinema no Facebook [nunca é]. E é por isso que o tertúlia e seu grupo de especialistas pensou numa ideia brilhante: como deixar um filme ruim [na nossa opinião] bom?! E como não começar um filme que esta sendo saco de pancada da crítica e do público??? [não confie no Rotten Tomatoes]

A Múmia de 2017 recebeu críticas negativas seja da imprensa especializada, seja do público geral. No IMDb ele recebeu uma preocupante 5,6 [assumindo, e sendo generoso, que 6 é uma nota razoável], mas o filme em geral apresenta questões complicadas que atrapalham o desenrolar da história. Talvez o primeiro seja o clichê. Não é problema trabalhar com clichês, portanto que a história nos deixe a sensação de apresentar algo diferente. Dois exemplos recentes, Vida e Autómata [por acaso escrevemos sobre isso Aqui], filmes que trabalham clichês da ficção científica, mas ao mesmo tempo deixam essa sensação de ter algo novo. A história d'A Múmia conta a história de exploradores de tesouros em busca de um artefato perdido e ao encontra-lo se deparam com algo sobrenatural e incompreensível. Com essa descrição local poderíamos estar falando de vários filmes que trataram desse clichê de expedições misturadas a aventura e ao sobrenatural [eu sei que seu cérebro está gritando INDIANA JONES!] No entanto, como falei, A Múmia não nós trás nada de novo ou algo que sugira um caminho diferente.

Cena de abertura do filme Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida

Outro problema que poderíamos apontar é a falta de complexidade da vilã. Se Imhotep nos filmes de 1932 e 1999 era guiado pelo amor, Ahmanet não tem motivação pessoal. Se seu objetivo inicial era tomar o reino de seu pai, ao ser trazida aos tempos atuais ela se torna somente um instrumento para trazer o mal, representado pelo deus Set, à Terra. Se ela não existisse, qualquer outra pessoa poderia fazer isso [como faz o personagem de Tom Cruise].  Além disso, a Múmia e os monstros não são se apresentam como ameaças. Os monstros criadas por ela por um beijo que suga sua energia vital, algo que também não é explicado e se apela a inteligência do expectador, são facilmente derrotados pelo nosso herói.

Ahmanet e Imhotep na versão de 1999

O herói também apresenta problemas. Se tenta construir a imagem do personagem em busca redenção, no entanto, tal mudança nunca é de fato direcionada e ocorre de forma abrupta e esquisita próximo ao término do filme. Suas motivações se confundem durante o filme, e no fim ele se torna também mais um instrumento para o grande mal. Afinal, os personagens principais são ele e a Múmia ou o mal? E nisso entramos no terceiro problema.
A organização de Dr. Jekyll é inserida logo no início do filme sem muitas explicações e ficamos um tempo sem saber quem eles são. Mas o problema é que ficamos sem saber quem eles são de fato o filme todo. Em certo momento eles se apresentam como uma entidade que combate o mal, ponto. Se você não é leitor do gênero terror/ficção científica você ira ficar perdido pois eles não vão explicar quem é o Dr. Jekyll. Não estou pedindo para darem uma de Nolan e explicarem tudo, mas explicação de menos também não é boa.

Capa do livro "O médico e o monstro"

Desta forma, chegamos ao final com 3 problemas: o vilão, o herói e a organização. Como poderíamos tornar esse filme um pouco melhor? Primeiro, o filme deveria escolher um foco. Ao querer apresentar tudo o que fosse possível da organização logo de início na retomada do Dark Universe, Universo Sombrio do estúdio Universal, eles acabam dividindo o foco e tornam o plot da Múmia fraco, pois em certos momentos ela fica no limiar entre primária/secundária. O filme tendo como título A Múmia poderia mostrar a organização no final do filme como um MIB chegando para limpar a bagunça e utilizar outro mecanismo para desenrolar a descoberta da múmia. A Múmia de 1999 fez isso utilizando os exploradores, desconhecendo o que tem em mãos, para renascer a múmia, Imhotep, e este seguindo sua busca após isso.

Dark Universe "antigo"


Logo do "novo" Dark Universe

Também era necessário proporcionar a vilã de uma motivação que não se esvaziasse ao ser trazida para o presente. Ela própria ser a encarnação do deus Set? Não ter motivação nenhuma, só ser um morto-vivo sem ação racional? Essa é mais complicada e talvez as soluções não vão no sentido que Hollywood imagina os filmes de hoje. E esse talvez seja o problema do herói. Em certos momentos é possível pensar que ele só está ali para as cenas de ação ou alívio cómico. Os filmes de Hollywood se encastelam nessa posição de Michael Bayziação dos filmes. Explosões, cenas de tirar o fôlego, tiros, explosões. Para onde isso leva a história? Talvez a solução do herói seja mais simples de resolver: reforce suas motivações, mesmo que negativas, mostre um movimento maior até ele chegar ao momento inicial do filme, mostre sua jornada; Mostre sua vulnerabilidade a verdadeiras ameaças, faça seu sacrifício chegar até o expectador e não parecer algo vazio. Seu embate deve ser com a Múmia e isso deveria ser retomado várias vezes durante o filme e não somente uma grande luta final como se ela fosse um chefe de jogo que só aparece no fim.

Acho que muitas pessoas poderiam indicar esses outros caminhos. Você tem um material envolvendo misticismo, sobrenatural, questionamentos sobre a vida e a morte, traga isso para o primeiro plano e coloque cenas de ação que desenvolvam a trama e você terá um filme que de fato fale da Múmia.

"Habitua-te a pensar que a morte não é nada para nós, pois que o bem e o mal só existem na sensação. Donde se segue que um conhecimento exato do fato de a morte não ser nada para nós permite-nos usufruir esta vida mortal, evitando que lhe atribuamos uma ideia de duração eterna e poupando-nos o pesar da imortalidade. [...]. Não há morte, então, nem para os vivos nem para os mortos, porquanto para uns não existe, e os outros não existem mais." Epicuro

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