quinta-feira, 17 de março de 2016

Tertúlia Indica: "Isolados" (2013) de Tomas Portella

A novidade sempre foi um chamado para as pessoas, o ato de sair de sua zona de conforto pode ser uma aventura que extrapola expectativas e nos dá um novo gás. Mas só que as vezes o desejo pelo clichê, pelo lugar comum, pode ascender uma chama de INSANIDADE também, fazendo ressurgir características usuais que farão sua zona de conforto ficar um pouco desconfortável. DÚVIDA? ENTÃO SACA SÓ!

+ Isolados (2013) de Tomas Portella


Tomas Portella, que até então tinha se aventurado na direção de comédias, como "Qualquer Gato Vira-Lata" (2011), consegue aqui fazer com que o público esqueça isso facilmente, apresentando uma narrativa sufocante e densa. No enredo não temos nada fora do comum do gênero do suspense/terror: A) um casal, Lauro (Bruno Gagliasso) e Renata (Regiane Alves), decidem passar um tempo na região serrana do Rio de Janeiro para descansar e reanimar a relação, mas só que B) a região oculta segredos e assassinos estão a solta e nisso o suspense vai rolar solto... Na "matemática do roteiro" a partir desse dois fatores (A+B) o resultado seria um filme ruim, pois está cheio de chavões e trivialidades. Mas num é qualquer bostinha que aparece fácil aqui no blog do Cine Tertúlia não... VAMOS BRISAR!

Lauro (Bruno Gagliasso) e Renata (Regiane Alves)
Por ter uma narrativa cheia de suspense o filme despertou comparações com "O Iluminado" (1980) de Stanley Kubrick e "Anticristo" (2009) de Lars von Trier ao mesmo tempo que avivou comentários negativos sobre o filme, alegando que sua história não era nada inovadora. Mas acompanhe comigo no replay, se um filme é semelhante à Kubrick e von Trier, por que raios ele seria ruim? Sem perder tempo já o assemelho a outro filme, ou melhor, a uma filmografia, a de Alfred Hitchcock, que sempre utilizou e abusou de lugares comuns e de atores famosos adicionando um clima tenso para surpreender o público. Em seus filmes o mal não estava no "outro", mas sim em nós mesmo, seus vilões não eram nenhuma criminoso desconhecido, mas sim quem estava o mais perto possível de você... A zona de conforto de Hitchcock não era nada confortável.

"Eu tenho uma facaaa!!!"
Coisa que Portella conseguiu trabalhar muito bem aqui, tem casal em perigo? Tem! O mal está solto? Sim! Policiais bem ao estilo "bad/good cop"? Mas é claro! Trabalhando com uma narrativa, rostos e clichês muito comuns ao público, o diretor conseguiu inserir sua história dentro do lugar comum, conseguiu quebrar a barreira entre o que é usual e o que é inovador e assim transformou tanto o comum como o estranho num só clima de tensão, fazendo com que a narrativa se desenvolvesse até chegar ao final plot twist que se mostrará essencial para o filme. Se o filme é bom ou não, isso é você que irá decidir, mas por aqui entramos em consenso que ele é INSANO!

Até o José Wilker tá no role... Seu último filme até!
"O Lobo atrás da Porta" de Fernando Coimbra e "Quando Eu Era Vivo" de Marco Dutra são suspenses brasileiros que deram o que falar, mas não conseguiram sair completamente do dualismo cinema arte/comercial. "Isolados" é um bom aperitivo para um público que está se interessando por novas narrativas, mas ainda acostumados a rostos conhecidos, mas que com o tempo podem se esquecer da poltrona confortável em casa e se entregar a outros espaços.

TRAILER LEGENDADO
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quinta-feira, 10 de março de 2016

TertúliaView: "O Fantasma do Futuro" (Ghost In The Shell, 1995) de Mamoru Oshii



Um belo dia o filósofo René Descartes proferiu sua célebre frase “Penso, logo existo”, nos dando a entender que o ato de realizar reflexões nos torna reais e que esse ato é imprescindível para ser um ser humano. Em meio ao período renascentista o filósofo inicia um novo período para a filosofia ocidental, trazendo ao centro das discussões a razão para ter como finalidade a verdade. Simples? Até poderia ser para o século XVII, mas para nossos dias atuais é algo que deve ser rediscutido. SIMBORA?

+ O Fantasma do Futuro (Ghost In The Shell, 1995) de Mamoru Oshii


Como será o futuro? Um questionamento que muitas vezes paramos para pensar... Será algo bom? Algo ruim? Em 1982, Ridley Scott lança o clássico da cinematografia de sci-fi, "Blade Runner", baseado no livro de Philip K. Dick, nos situando num futuro distópico (saiba mais aqui), em que corporações mandam no planeta, ou melhor, na galáxia, e que se utilizam de androides para realizar seus serviços... Sujo, violento e corrupto... Podem ser as três palavras chaves para esse mundo. Não muito diferente do futuro de "Ghost In The Shell", baseado no mangá de Shirow Masamune, em que conhecemos a Seção 9, uma equipe formada por androides e humanos que enfrenta crimes que surgiram com o avanço da tecnologia.

CENA DAS LÁGRIMAS DO BLADE RUNNER
Se o fato de viver, se ser um sujeito ativo e encarar o mundo (ou o cosmos no caso de Blade Runner) como um horizonte de possibilidades. O androide Roy Batty (Rutger Hauer) se tornou um ser humano da melhor qualidade, não?

Cada personagem do filme tem sua importância, como líder a Major Kusanagi, uma androide, tem um corpo inteiramente artificial que protege seu cérebro, seu corpo é esbelto e, se formos pensar, transcende a ideia da sexualidade, pois aquele corpo, por mais lindo que seja, não passa de uma proteção mecânica que sustenta seu cérebro. Assim como o personagem Bateau, parceiro de Kusanagi, que possui uma estranha prótese no lugar de seus olhos, e como diz a frase "o olhos é a janela da alma", já paramos para refletir que alma é algo estranho para ele. Assim como Aramaki, que é um dos poucos humanos do Setor 9, e como dito pela Major, ele foi escolhido para que a previsibilidade de um robô não marcasse o esquadrão. Uma animação feita pelos detalhes, ao mesmo tempo em que há diversas reflexões há momentos de contemplação. Simplesmente INSANA!

Major Kusanagi
Bateau
O futuro é o ano de 2029, em que a tecnologia se expandiu sem nenhum controle, atingindo a níveis neurais, deixando o limite entre o real e o virtual muito difícil de ser definido. A habilidade de processamento de dados e a tecnologia presente na vida das pessoas cresceram de maneira absurda! É nesse ambiente que surge o criminoso "Puppet Master". Não é estranho pensar que essa história teve origem no Japão, um país que vive uma relação muito intima com a tecnologia. Nesse patamar o filme cyberpunk de Mamoru Oshii nos pega de jeito ao pensarmos o que faz de nós humanos e o que faz dos androides não humanos, pois se formos pela máxima renascentista do "penso, logo existo", todos os androides no enredo pensam e utilizam da reflexão, muito mais que alguns seres humanos apresentados na história, que são manipulados pelo chamado Puppet Master. Assim, a busca existencialista da protagonista Kusanagi  se mostra importantíssima para a trama, pois numa sociedade em que a tecnologia está tão naturalizada o que diferencia um robô e um ser humano

CENA DE WALKING LIFE (2001)
Nessa mítica cena de "Walking Life" de Richard Linklater conhecemos questionamentos sobre o que nos define como pessoa: memórias, história, informação...

Ser questionado por algo que você tem como a verdade base de sua vida é algo arrebatador... Por isso mesmo esse filme tem todos os méritos para aparecer no blog do Cine Tertúlia, e por isso mesmo, não é um filme que "desça fácil", pelo contrário, possui uma carga reflexiva gigantesca e a todo o momento nos sentimos necessidade de repetir uma cena ou voltar para outro plano. Memórias e vivências? O ato de pensar? Possuir uma alma? Podemos pensar em diversos argumentos que nos levem a defender nossa diferença perante os robôs, mas aqui nessa história, todos eles são destruídos de maneira genial e precisa, nos deixando sem nenhum argumento, coisa que só como uma boa obra de ficção distópica pode nos oferecer.

SACA SÓ ESSA CENA DO FILME
Dois minutos de pura explosão de mentes! Pode repetir quantas vezes quiser... Eu acho que repeti umas 5 vezes quando estava vendo o filme...
“- Forma de vida? Que ridículo! Não passa de um programa de auto preservação! 
- Com esse argumento, digo que o DNA que carrega não passa de um programa de auto preservação.” 
 

Com essa discussão não tenho como não mencionar o desconhecido filme “Automata” (2014) de Gabe Ibáñez (clique aqui) que aborda a busca de robôs não de sobreviver, mas sim de viver. Mas que tipo de vida seria essa? Que consciência de vida seria essa? Se o pensar leva a existir, eles querem viver intensamente! Descartes criou sua célebre frase no chamado Renascimento, aqui no filme de Ibáñez, o renascimento do homem se torna o robô, ou como exploramos de maneira maior sobre o "Homo Novus" (clique aqui).



Assim, não mais que necessário, a corrente existencialista (século XX) surge para compreender ainda mais a existência da humanidade. Se Descartes no século XVII queria, através de seu método, nos trazer uma verdade universal, aqui, os existencialistas, buscam compreender a complexidade do que é ser um ser vivo. Defendendo que existimos antes de tudo, afirmam que o ser humano não é nada, enquanto não fazer de si alguma coisa. Então, deste modo, existimos, depois pensamos, depois agimos, depois criamos robôs e depois eles nos darão mais questionamentos sobre o propósito da existência. Se os androides são humanos ou não isso será respondido na busca que farão de suas vidas. Precisamos realmente dessas diferenças? O que faz de nós humanos? Assim como a filósofa existencialista Simone de Beauvoir, em seu livro "O Segundo Sexo", defende que a mulher não nasce mulher, mas devido ao mundo machista, ela se transforma na forma/padrão que o mundo exige. Assim como a ideia do que é ser um ser humano, uma construção social de uma determinada época, variando pelas questões que levam a coesão social. O ser humano de hoje é diferente do que é um ser humano de 500 anos atrás, logo a sociedade nos padroniza para as questões de nossa época... E no futuro, que coesão será formulada com nossa relação cada vez mais próxima com a tecnologia? Esse filme é uma perspectiva do que podemos nos tornar.

TRAILER

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quinta-feira, 3 de março de 2016

Tertúlia Indica: "Eu Estava Justamente Pensando em Você" (Comet, 2014) de Sam Esmail.


Se apaixonar por alguém nos dá uma nova percepção de mundo, um novo gás para enfrentar nosso cotidiano em nome de algo que amamos. Essa nova visão de mundo muitas vezes cria mundos paralelos em nossa mente: podemos acreditar que o mundo está perfeito mesmo que estamos na pior das merdas ou crer que estamos no fundo do poço, sendo que estamos na verdade muito bem. Fazer um relato sobre um relacionamento que marcou parte de nossa vida, mexe com memórias e sentimentos, e os dois são passíveis de mutação... Nenhum dos dois são um concreto firme... Eles sofrem mudanças a todo o momento que o revivamos... Logo objetividade é algo que não encontraremos nesse filme.

+ Eu Estava Justamente Pensando em Você (Comet, 2014) de Sam Esmail


O hoje consagrado criador da série “Mr. Robot”, Sam Esmail, realizou esse filme que tem por uma meta até que simples e apresentada no início do filme: "Os seguintes eventos ocorreram ao longo de 6 anos (alguns em um universo paralelo)". Sim, Esmail irá nos mostrar seis anos de um relacionamento conturbado, que acredito ser inspirado em sua própria vida, mas que aqui é entre a personagem Dell (Justin Long) e Kimberly (Emmy Rossum), assim podemos ter em mente que podemos nos perder facilmente entre o que realmente aconteceu e o que a imaginação do diretor produziu, pois alguns eventos ocorreram em “um universo paralelo”, como alega a frase inicial. Isso mesmo! Possuímos nossas memórias, que foram criadas com base em nossas vivências, mas elas nunca serão estáticas, elas sofrem mudanças a todo o momento. Essa empreitada de realizar um relato cinematográfico de um período intenso entre amor e ódio entre um casal deve ter ser difícil... Tanto para o diretor, como para nós, espectadores. 

"Os seguintes eventos ocorreram ao longo de 6 anos (alguns em um universo paralelo)"
O filme já me conquistou ao ter em seu pôster referências a dois filmes INSANOS, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” (2004) de Michel Gondry e “(500) Dias com Ela” (2009) de Marc Webb. E sim... Entre memórias e realidades, entre conciliações e rompimentos, o filme de Esmail consegue abordar temas presentes nos dois filmes citados e de maneira perfeita! A cena inicial em que Dell (Justin Long) repete várias vezes para si mesmo, “isso não é um sonho, isso não é um sonho!”, é uma boa preparação para o público... O que é real e sonho dentro dessa história seremos apenas nós mesmo que decidiremos... E muitas vezes torceremos como Dell, para que tal cena não cena um sonho e que outra seja apenas um sonho (ou um pesadelo). 

Kimberly (Emmy Rossum) e Dell (Justin Long)
Uma obra com uma narrativa não linear mostrando vários momentos do relacionamento do casal: o dia em que se conhecem, uma viagem a Paris, uma briga pelo telefone, um encontro em um trem e uma visita casual... Essa distinção se momentos faz jus a fotografia do filme, que em quase todo o filme apresenta seus personagens descentralizados (isso mesmo, nada de Wes Anderson por aqui, clique aqui e entenda). Fato que me faz indicar outro filme aqui nas referências, “Namorados Para Sempre” (Blue Valentine, 2010) de Derek Cianfrance, que apresenta o relacionamento de um casal, Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling), de maneira não linear em que ao mesmo tempo em que os vemos se conhecendo e cheios de amor, vemos eles se odiando e com o relacionamento beirando ao fim. 

Uma das poucas cenas que nossos protagonistas estão centralizados.
Afinal, quando nos lembramos de um relacionamento ao lembrarmos os momentos bons, já os misturamos com os momentos ruins que vivenciamos... A linearidade vai por água abaixo nessa tarefa de relembrar, logo filme como “Brilho Eterno...”, “500 Dias...”, “Blue Valetine” e o tertuliado em questão não passam da mais pura atividade mental de uma pessoa comum. Diferenças, semelhanças e singularidades marcam relacionamentos e elas estão presentes no filme, que passa por momentos de drama, comédia e romance... Nos ambientes apresentados que vão desde um dia ensolarado até um quarto azulado em Paris, assim o filme se transforma numa viagem sensorial única, ao mesmo tempo em que é fascinante ela é dolorosa. O filme também é marcado por diálogos INSANOS, recomendo que assista com um caderninho do lado para anotar as falas mais marcantes, pois vou deixar esse prazer para você e não encherei você com mais SPOILER.


"Comet" consegue transpor a ideia do sociólogo Zigmund Bauman de modernidade líquida de maneira perfeita, nos mostrando um casal de pessoas céticas modernas, sem crença em amores fantásticos ou eternos, eles são apenas pessoas tentando se encontrar na chamada liquidez de nossa modernidade. Pois hoje, não há mais solidez de ideias ou de comportamentos, vivemos em constates transformações pessoais e nossos queridos protagonistas simbolizam isso muito bem, pois as intensas mudanças de espaço e tempo apresentados mostram as intensas mudanças que vivemos em nossa sociedade. 

TRAILER LEGENDADO

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