quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Tertúlia Análise: Cinema e Resistência




 “Resistir é inútil!”. A frase deferida pelos Borgs em “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração” (1987-1994) se tornou dentro do universo cinematográfico, talvez, umas das expressões mais famosas. Podemos identifica-la nas séries, filmes ou qualquer forma de entretenimento nos dias de hoje. Mas, então, resistir é inútil?
Levando em conta que a narrativa do entretenimento está ligada quase que predominantemente com uma dualidade de bem contra mal, mocinho contra vilão e de que tudo no final termina bem, a resistência se torna nessa narrativa peça fundamental e, sim, útil.
Resistir é uma ação tanto ativa quanto passiva que é capaz de mudar o ritmo da história. É o momento no qual as engrenagens se alinham e a resolução (psicológica e/ou do problema) surge. Posicionando-se não só como útil, mas também de fato necessária enquanto motor de mudança de uma ameaça iminente.

Cena de “Jornada nas Estrelas: A Nova Geração”
Em “Matrix” (1999), todas as vertentes filosóficas se convergem em resistência da raça humana contra a opressão das máquinas. A resistência se expressa de diversas maneiras durante o filme, ou melhor, em toda a trilogia. Enquanto ainda em condição de bateria das máquinas, o Sr. Anderson (Keanu Reeves) é apenas representado como um pequeno cubículo de alguma empresa qualquer e encontrava sua resistência em contrabandear softwares em seu pequeno apartamento em algum prédio qualquer. Posteriormente, sua resistência se encontra em escapar da Matrix, ou seja, em entrar em contato com a realidade na sua forma mais nua e crua para em seguida se apresentar como ícone da Resistência dos humanos, e age quebrando e dobrando toda e qualquer regra do sistema matriz.
Mas vamos destacar uma resistência diferente nos filmes. A cena na qual Cypher (Joe Pantoliano) trai o grupo de Neo (agora o Sr. Anderson se torna Neo e tal troca de nome expressa outra forma de resistência) para poder desistir de resistir e se unir a “ignorância”, entrando no estado inferior de existência. Uma frase que define bem essa questão talvez seja: “A ignorância é uma benção”. Então, fica a pergunta, como resistir à ignorância, como resistir a si mesmo e a vontade de fugir?
Nesse ponto, ironicamente, entra a personagem de Morpheus (Laurence Fishburne), referência ao deus grego dos sonhos. Ele, enquanto homem verdadeiro e livre do sistema, é a resistência real. Para resistir à ignorância ou proporcionar aos outros o poder de resistir a si mesmos, ele recorre a uma certa dose de “hedonismo” como simbologia de resistência. A cena da enorme orgia em Zion serve como lembrete da sensação humana real, seja de prazeres da carne ou algo mais metafísico. O ponto que podemos levantar é como essa orgia pode simbolizar uma resistência mais humana do que a luta exercida por Neo no meio virtual. Esse “hedonismo” é uma forma de lembrar que a realidade, em toda sua peculiaridade, é humana e viver em contato com sua natureza é a maior forma de resistência que podemos encontrar em nós mesmo para combater a vontade de fuga e ignorância.

Cena de "Matrix"
É fácil identificar e rotular o lado opressor e o lado da resistência. No filme citado tínhamos humanos resistindo e máquinas oprimindo. Em “Guerra nas Estrelas” de George Lucas tanto na primeira quanto na segunda trilogia, a divisão é sempre clara, seja império versus rebeldes, república contra um levante de golpe ou a simples dualidade Sith/Jedi.
Todavia, compliquemos um pouco essa narrativa. Em “Batman: Cavaleiro das Trevas” (2008) a princípio qualquer um colocaria o Batman como a forma de resistência, seja ao crime ou a tudo aquilo que não é bom. E, por consequência, o Coringa a opressão, por não agir da mesma maneira que o herói. Porém, a figura do Coringa é na verdade mais uma forma de lutar contra algo, de resistir a alguma coisa. Mas, exatamente a que?
Apesar de o anti-herói Coringa dizer que ele não é o “cara com um plano” e que ele é apenas um “agente do caos”, vemos essa visão se desfacelar ao absorvermos a narrativa do filme como um todo. Primeiro, quebremos a dualidade inicial de que caos e ordem serem opostos, são na verdade elementos que se compõem. São parte de um todo. O que podemos tirar disso é que o caos, assim como a ordem, são veículos de uma teleologia.
O Coringa de fato tinha um plano, um motivo e um meio para um fim e para alcançá-los utilizou o caos. E através do caos veio a resistência. A resistência à uma realidade maior, ele luta não só contra o Batman, mas sim contra a ordem estabelecida, implantando um novo meio de organização, o chamado caos. Isso não serve para romantizar o vilão ou quebrar a visão de herói do Homem Morcego, mas sim reforçar a ideia de que não são opostos e sim forças que se complementam.

Cena de “Batman: Cavaleiro das Trevas”
 A arte tem costume de simbolizar essas formas de luta, seja pela dualidade ou pela complementaridade. E, se corrermos um pouco atrás no texto, lembraremos da orgia de Zion e da expressão de resistência através do corpo e da música. É a esse ponto que voltamos a nossa atenção agora : a dança.
Por mais estranho que pareça o movimento ritmado do corpo, pode ser entendido como resistência a rigidez de uma opressão. Iremos com calma exemplificar essa ação, partindo do real para a fantasia.
Em "Billy Elliot" (2000) a dança é um grito de resistência, é uma maneira de não sucumbir à sociedade maciça e ao mesmo tempo quebrá-la. Em uma Liverpool, extremamente industrial durante o governo da Dama de Ferro, coberta pela fumaça e pela violência, greves trabalhistas e envolta numa sociedade banhada por conceitos conservadores, surge um filho de minerador que resolve se impor contra a opressão dessa vida através da dança. Cada movimento de Billy é um giro a mais na resistência, é uma maneira de transformar o meio de organização regente em caos. Ele transforma o conservadorismo da família em aceitação da expressão de resistir, ou seja, em mudança efetiva.
 
Cena de "Billy Elliot"
Em um caso mais fechado como na a cena de dança em “Perfume de Mulher” (1992), os movimentos do tango quebram qualquer condição limitadora que o Coronel Frank Slade (Al Pacino) poderia ter. Ele passa a ser a resistência do corpo ao próprio corpo e, mais uma vez, a mudança efetiva acontece dessa vez dele e dos outros.

Cena de "Perfume de Mulher"
Nos enredos mais fantasiosos dos musicais em que, a qualquer momento, tudo vira música e dança, a resistência encontra maior simbologia e abrangência. Em “Hairspray” (2007) uma protagonista branca acima do peso e que se identifica na cultura negra americana encontra na dança a resistência e com ela a luta por novos conceitos, tal como em "Billy Elliot". Em “Grease - Nos Tempos da Brilhantina” (1978) a dança e a música é a maneira que os protagonistas encontram para quebrar a ideia do papel do homem e da mulher nos relacionamentos, ou seja, a resistência aos velhos costumes.

Acima: cena de "Hairspray"; Abaixo: cena de "Grease"
 Talvez a multiplicidade de versões possíveis de resistência presentes na sétima arte sirva para nos mostrar a capacidade infinita que temos de resiliência antes mesmo de resistir. Somos caos e ordem, dança e rigidez. Múltiplos por natureza e criados e formados para resistir. No fim a mensagem não era se resistir é útil ou não, mas sim de que maneira resistiremos. Que seja do caos à dança, mas sempre resistamos. 


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